23 de outubro de 2012
Dia 22 de outubro senti na carne e na alma o terror de Estado
O Blog do Nilmário registrou lá de Belo Horizonte:
“No dia 22 de outubro de 1973 agentes da ditadura prenderam em Salvador Gildo Lacerda; sua companheira Mariluce Moura, grávida; Oldack Miranda (meu irmão); Nádia Miranda; e outros. Foi a última vez que Mariluce viu seu companheiro.
No dia 28 de outubro ele e José Carlos da Mata Machado morreram sob torturas em Recife no DOI-CODI do Exército Brasileiro. A filha de Gildo e Mariluce não conheceu o pai. O corpo de Gildo jamais foi devolvido à família.
A família Mata Machado teve mais sorte: conseguiu ter o corpo com o compromisso de não abrir o caixão, para que as marcas da tortura não fossem vistas.
Mariluce fez este relato do ocorrido há exatos 39 anos depois, hoje na Reitoria da UFMG, durante a audiência pública da Comissão Nacional da Verdade, perante um auditório lotado de jovens. Inclusive uma grande delegação de jovens secundaristas do Colégio Santo Antônio”.
NÃO TEM COMO ESQUECER
Resisti durante muitos anos a requerer indenização ao Estado por violações de meus direitos civis e políticos. Em agosto deste ano, finalmente, dei entrada no Requerimento de Anistia e Reparação na Secretaria da Comissão da Anistia, Ministério da Justiça.
Não há mesmo como esquecer tudo aquilo. Em maio de 1972 cumpri pena de seis meses na Penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora. Minas Gerais. Foi o resultado de um julgamento à revelia, sem direito a defesa, num tribunal militar da ditadura.
Em 1973 vim para a Bahia. Mas, no dia 22 de outubro, fui novamente preso pelo DOI/6ª RM. Fui levado à sede da Polícia Federal e depois transferido para o Quartel do Barbalho.
No Quartel do Barbalho, fiquei preso numa cela ao lado da cela onde estava Gildo Macedo Lacerda. Os torturadores nos alternavam. Ora eu era levado para a sala de tortura, ora Gildo Macedo Lacerda era arrastado pelo pátio, já que tinha uma grave infecção no pé. Obrigado a ficar em cima de latinhas cortantes, e levando pancadas e choques elétricos, os torturadores encapuzados do Quartel do Barbalho me informaram que tinham matado José Carlos Novais da Mata Machado e Gildo Macedo Lacerda.
Fui transferido por avião da FAB para Recife, transportado encapuzado numa rural-willis e levado para uma instalação militar, onde novamente fui submetido a mais violências, incluindo pau-de-arara e choques elétricos. “Você nos escapou em 1972, mas agora vamos descontar”, disse-me um deles. Não havia mais contatos a confessar, quase dois anos haviam se passado desde minha saída da mata do Vale do Pindaré-Mirim, no Maranhão. Para sobreviver, falar alguma coisa, tive que inventar descrições de pessoas que não existiam e nomes imaginários. Eles me torturaram por pura vingança. Anos depois, em 1998, soube que era a sede do DOI-CODI, onde muitas mortes na tortura ocorreram. O escritor Samarone Lima, em seu livro intitulado “Zé” (Maza Edições) descreveu com detalhes as instalações do DOI-CODI de Recife, onde José Carlos Novais da Mata Machado foi martirizado. Era a sucursal do inferno. Eu estava lá. Também não consegui ver os rostos dos torturadores, usavam capuzes. Do Recife me transportaram de volta a Salvador, onde me mantiveram no Quartel de Amaralina.
As mortes dos companheiros Gildo Lacerda e Mata Machado estão registradas no “Dossiê Tortura Nunca Mais” e detalhadamente descritas no livro “Dos filhos deste Solo”, de Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio.
Fui preso em 1973 porque acolhi solidariamente em minha casa um velho companheiro de escola e militância política, José Carlos Novais da Mata Machado, contemporâneo na Faculdade de Direito da UFMG, em situação de risco e insegurança, junto com sua mulher Madalena Prata Soares. E por manter encontros com Gildo Macedo Lacerda, em Salvador.
No dia 28 de outubro de 1973, em plena sessão de tortura no Quartel do Barbalho, um militar encapuzado me disse em gargalhadas: “Oldack, o Gildo e o José Carlos já eram”.
Como lembra o Blog do Nilmário, o corpo do Gildo Lacerda jamais foi devolvido para a jornalista baiana, sua mulher, que estava grávida quando foi presa. Assim, a filha, Tessa, nunca pode conhecer o pai. Sequer garantiram á família o direito de enterrar seu parente morto.
Já o corpo de José Carlos da Mata Machado foi devolvido à família, dentro de uma urna lacrada, com o compromisso de não abrirem. Familiares abriram a urna, e encontraram um corpo dilacerado pela tortura, os olhos furados, as orelhas e a língua cortadas.
E eu estive lá, no local em que José Carlos foi martirizado. São lembranças terríveis e que nunca serão esquecidas. Ditadura Nunca Mais.
“No dia 22 de outubro de 1973 agentes da ditadura prenderam em Salvador Gildo Lacerda; sua companheira Mariluce Moura, grávida; Oldack Miranda (meu irmão); Nádia Miranda; e outros. Foi a última vez que Mariluce viu seu companheiro.
No dia 28 de outubro ele e José Carlos da Mata Machado morreram sob torturas em Recife no DOI-CODI do Exército Brasileiro. A filha de Gildo e Mariluce não conheceu o pai. O corpo de Gildo jamais foi devolvido à família.
A família Mata Machado teve mais sorte: conseguiu ter o corpo com o compromisso de não abrir o caixão, para que as marcas da tortura não fossem vistas.
Mariluce fez este relato do ocorrido há exatos 39 anos depois, hoje na Reitoria da UFMG, durante a audiência pública da Comissão Nacional da Verdade, perante um auditório lotado de jovens. Inclusive uma grande delegação de jovens secundaristas do Colégio Santo Antônio”.
NÃO TEM COMO ESQUECER
Resisti durante muitos anos a requerer indenização ao Estado por violações de meus direitos civis e políticos. Em agosto deste ano, finalmente, dei entrada no Requerimento de Anistia e Reparação na Secretaria da Comissão da Anistia, Ministério da Justiça.
Não há mesmo como esquecer tudo aquilo. Em maio de 1972 cumpri pena de seis meses na Penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora. Minas Gerais. Foi o resultado de um julgamento à revelia, sem direito a defesa, num tribunal militar da ditadura.
Em 1973 vim para a Bahia. Mas, no dia 22 de outubro, fui novamente preso pelo DOI/6ª RM. Fui levado à sede da Polícia Federal e depois transferido para o Quartel do Barbalho.
No Quartel do Barbalho, fiquei preso numa cela ao lado da cela onde estava Gildo Macedo Lacerda. Os torturadores nos alternavam. Ora eu era levado para a sala de tortura, ora Gildo Macedo Lacerda era arrastado pelo pátio, já que tinha uma grave infecção no pé. Obrigado a ficar em cima de latinhas cortantes, e levando pancadas e choques elétricos, os torturadores encapuzados do Quartel do Barbalho me informaram que tinham matado José Carlos Novais da Mata Machado e Gildo Macedo Lacerda.
Fui transferido por avião da FAB para Recife, transportado encapuzado numa rural-willis e levado para uma instalação militar, onde novamente fui submetido a mais violências, incluindo pau-de-arara e choques elétricos. “Você nos escapou em 1972, mas agora vamos descontar”, disse-me um deles. Não havia mais contatos a confessar, quase dois anos haviam se passado desde minha saída da mata do Vale do Pindaré-Mirim, no Maranhão. Para sobreviver, falar alguma coisa, tive que inventar descrições de pessoas que não existiam e nomes imaginários. Eles me torturaram por pura vingança. Anos depois, em 1998, soube que era a sede do DOI-CODI, onde muitas mortes na tortura ocorreram. O escritor Samarone Lima, em seu livro intitulado “Zé” (Maza Edições) descreveu com detalhes as instalações do DOI-CODI de Recife, onde José Carlos Novais da Mata Machado foi martirizado. Era a sucursal do inferno. Eu estava lá. Também não consegui ver os rostos dos torturadores, usavam capuzes. Do Recife me transportaram de volta a Salvador, onde me mantiveram no Quartel de Amaralina.
As mortes dos companheiros Gildo Lacerda e Mata Machado estão registradas no “Dossiê Tortura Nunca Mais” e detalhadamente descritas no livro “Dos filhos deste Solo”, de Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio.
Fui preso em 1973 porque acolhi solidariamente em minha casa um velho companheiro de escola e militância política, José Carlos Novais da Mata Machado, contemporâneo na Faculdade de Direito da UFMG, em situação de risco e insegurança, junto com sua mulher Madalena Prata Soares. E por manter encontros com Gildo Macedo Lacerda, em Salvador.
No dia 28 de outubro de 1973, em plena sessão de tortura no Quartel do Barbalho, um militar encapuzado me disse em gargalhadas: “Oldack, o Gildo e o José Carlos já eram”.
Como lembra o Blog do Nilmário, o corpo do Gildo Lacerda jamais foi devolvido para a jornalista baiana, sua mulher, que estava grávida quando foi presa. Assim, a filha, Tessa, nunca pode conhecer o pai. Sequer garantiram á família o direito de enterrar seu parente morto.
Já o corpo de José Carlos da Mata Machado foi devolvido à família, dentro de uma urna lacrada, com o compromisso de não abrirem. Familiares abriram a urna, e encontraram um corpo dilacerado pela tortura, os olhos furados, as orelhas e a língua cortadas.
E eu estive lá, no local em que José Carlos foi martirizado. São lembranças terríveis e que nunca serão esquecidas. Ditadura Nunca Mais.