26 de fevereiro de 2014
III Fórum do Pensamento Crítico terá como tema “Autoritarismo e Democracia, 50 anos do golpe civil-militar e 30 anos das Diretas Já”.
De 24 a 28 de março, acontece em
Salvador o III Fórum do Pensamento Crítico, no Teatro Castro Alves. O tema
será Autoritarismo e Democracia no Brasil e na Bahia 1964-2014. Assim, a Secretaria da Cultura (Governo
Wagner) marca a passagem dos 50 anos do golpe civil-militar e os 30 anos da
campanha pelas Diretas Já. A idéia é conjugar passado e presente, memória e
atualidade.
MEMÓRIA VIVA - O
ano de 2014 será emblemático para uma reflexão sobre autoritarismo e democracia
no Brasil e na Bahia. Em 2014, os 50 anos do Golpe Civil-Militar de 1964 devem
servir como memória viva para que ditaduras e autoritarismos não sejam mais
possíveis no presente e no futuro da sociedade, em especial da brasileira e
baiana. Em 2014, os 30 anos da campanha das Diretas Já devem ser comemorados
como momento catalisador e exemplar de luta pela democracia no país e no estado
e como inspiração para novas lutas democráticas imprescindíveis na atualidade.
MARCAS PROFUNDAS
- A ditadura civil-militar marca profundamente a história e o presente da
sociedade brasileira e baiana. Ela interditou a realização das “reformas de
base” (urbana, agrária, universitária etc.) e bloqueou naqueles anos a
possibilidade da construção no Brasil e na Bahia de uma sociedade mais justa,
democrática e livre, que incorporasse toda população em sua dinâmica
societária. Em lugar disto, ela impôs uma “modernização conservadora” com um
modelo de desenvolvimento altamente concentrador, desigual e excludente,
alicerçado no arrocho salarial; na restrição às liberdades; no apoio e controle
rigoroso da mídia; na censura às opiniões diferentes e às manifestações
culturais divergentes; na perseguição, repressão, tortura e assassinato de todos
aqueles que fossem considerados adversários da ditadura. Ela marcou
profundamente o passado, ainda marca o presente e talvez o futuro da sociedade
brasileira e baiana.
DIRETAS JÁ - A
campanha das Diretas Já pode ser considerada como momento emblemático da luta
pela democracia no Brasil e na Bahia. Ela de algum modo sintetiza as muitas e
variadas modalidades de luta que foram empreendidas contra a ditadura
civil-militar. Ela possibilita a transição do autoritarismo para a democracia,
com suas virtudes e limitações. O movimento das Diretas Já, ainda que derrotado
em 1984 no seu intento maior de eleição direta do presidente do Brasil,
expressara o desejo da sociedade brasileira e baiana de construção da
democracia e de derrubar a ditadura.
DEMOCRACIA COMPLEXA
- O processo de construção da democracia no Brasil e na Bahia tem se mostrado
bastante complexo. O modo específico da transição do autoritarismo para a
democracia no Brasil e na Bahia, uma transição pelo alto no dizer de alguns
autores, impacta profundamente no processo de construção da democracia. Ele
articula de modo desigual e combinado: avanços e retrocessos, mudanças e
persistências, possibilidades e limitações, aliados e adversários. Por
conseguinte, ele permite modalidades bem distintas de pensar e de realizar a
democracia.
LUTAS NAS RUAS - Os
movimentos acontecidos em junho de 2013, com todas as suas ambiguidades,
contradições e tentativas de manipulação, expressam a tensão entre alternativas
possíveis de democracia: algumas meramente formais outras substantivas; algumas
somente representativas outras incorporando com novos formatos de participação.
Os movimentos atualizam e colocam em cena a discussão sobre o presente e o
futuro da democracia. As ruas trazem para o cenário púbico e recolocam em
disputa estas distintas e muitas vezes antagônicas concepções de democracia.
PROCESSO VIVO - O
III Fórum do Pensamento Crítico pretende se debruçar – criticamente, por óbvio
– sobre o tema autoritarismo e democracia, como campo de força e de disputa,
que reúne memória e contemporaneidade, que olha o passado para pensar e atuar
no presente e para imaginar futuros possíveis. O Fórum busca reavivar nossa
memória dos autoritarismos, que marcam drasticamente a história do Brasil e da
Bahia e muitas vezes ainda persistem de modo expresso ou camuflado, e relembrar
a todo instante o vital compromisso de enfrentar e superar todos eles. Ele
busca, em sintonia fina de memória e atualidade, colocar na cena e no debate
público temas essenciais para a superação de todas as modalidades de
autoritarismos e para o aprofundamento da democracia na contemporaneidade. O
III Fórum do Pensamento Crítico entende a democracia como um processo vivo,
sempre em atualização e atento aos perigos do autoritarismo.
PROGRAMAÇÃO
Dia 24 (noite)
1. O que possibilitou o autoritarismo (golpe civil/militar)
em 1964 no Brasil?
Dia 25 (manhã e
tarde)
2. Como a ditadura civil/militar redesenhou o Brasil e quais
suas repercussões no futuro do Brasil?
3. Como a ditadura civil/militar redesenhou a Bahia e quais
suas repercussões no futuro da Bahia
Dia 26 (manhã e
tarde)
4. Quais as heranças culturais e comunicacionais da ditadura
civil/militar no Brasil?
5. Quais as heranças
culturais e comunicacionais da ditadura civil/militar na Bahia?
Dia 27 (manhã e
tarde)
6. Como foi realizada a transição do autoritarismo para a
democracia no Brasil e quais suas consequências?
7. Como foi realizada a transição do autoritarismo para a
democracia na Bahia e quais suas consequências?
Dia 28 (manhã, tarde e noite)
8. Quais os avanços e os limites da democracia no Brasil e
na Bahia?
9. Como aprofundar a democracia na contemporaneidade?
10. Encerramento com espetáculo musical: Baiana System
OUTRAS ATIVIDADES
11. Mostra de cinema. Filmes sobre o período 1964 – 2014 nos
centros e equipamentos culturais da SECULT e outros espaços
12. Debates sobre autoritarismo e democracia no Brasil e na
Bahia
Em várias cidades da Bahia, nos centros e equipamentos
culturais da SECULT e outros espaços
13. Lançamentos de livros
SERVIÇO
III FÓRUM DO
PENSAMENTO CRÍTICO
Tema: Autoritarismo e Democracia no Brasil e na Bahia
1964-2014 - 50 anos do Golpe Civil-Militar de 1964 - 30 anos das Diretas Já
Período: 24 (segunda-feira) a 28 (sexta-feira) de março de
2014
Local: Teatro Castro Alves (sala principal).24 de fevereiro de 2014
Emiliano José defende que violência não pode ser a saída
A partir do apelo insano à violência da apresentadora do SBT,
Raquel Sheherazade, contra o ladrão negro e jovem espancado nas ruas do Rio de
Janeiro, o jornalista Emiliano José faz uma reflexão no artigo "O ovo da serpente", publicado no jornal A Tarde: “Será possível acreditar
que mais prisões, mais pelourinhos espalhados pelos justiceiros, mais matança
de jovens negros e pobres nas periferias por milícias, vão resolver alguma
coisa? Será que esse racismo óbvio, essa sobrevivência da Casa-Grande, irá
construir uma sociedade fraterna? Com certeza, não. A escravidão acabou. LEIA NA ÍNTEGRA:
A jornalista e apresentadora do SBT Rachel Sheherazade, sem quaisquer rodeios, justificou a ação de justiceiros – e tem palavra mais imprópria neste caso? – contra um jovem negro de 15 anos violentamente espancado, orelha arrancada, nu e acorrentado a um poste com uma trava de bicicleta, no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Onde posso, destaco o fato de que país nenhum passa incólume por mais de 350 anos de escravidão. Há muitos saudosos da escravidão. Há muitos sentados à varanda da Casa-Grande, melancólicos diante da falta do pelourinho.
Sheherazade disse que a atitude dos vingadores era até compreensível. Que o contra-ataque aos bandidos, a expressão é dela, era uma defesa coletiva. E conclamou aos defensores dos direitos humanos apiedados do marginalzinho – a expressão é dela –, preso ao poste, a participar da campanha “adote um bandido”. Ela expressa um sentimento presente na sociedade brasileira, lamentavelmente. O que nos leva à conclusão de que é absolutamente essencial travarmos um combate de valores, um combate cultural no País.
www.emilianojose.com.br
O ovo da serpente
Emiliano José*
Se não tomarmos cuidado, se
insistirmos apenas no pessimismo da inteligência, se descuidarmos do otimismo
da vontade, se não atentarmos para a ação política, eis-nos naufragados no
desânimo, na desesperança, na descrença do gênero humano. Como creio na
política como elemento civilizatório, essencial à vida racional, penso
necessário refletir sobre valores, sobre a cultura, sobre a emergência de pensamentos
tão cheios de ódio, tão ofensivo aos pobres, aos marginalizados, aos excluídos,
tão próprios de uma sociedade marcada pelo individualismo e pelo desprezo ao
outro.
O
capitalismo nos ensinou e nos ensina a pensar em cada um de nós. Nada de pensar
no outro. A não nos imaginarmos numa vida em comum. A voltarmo-nos sempre para
o indivíduo. Como se não existisse sociedade. E, com isso, a não procurar
causas para os acontecimentos. É um salve-se quem puder permanente. O homem como
lobo do homem, típico do raciocínio hobbesiano. O Brasil debate-se com uma
discussão dessa natureza: há que se condenar, sem apelação, os desenquadrados,
os fora-da-lei, os que fogem dos critérios da normalidade de qualquer natureza.
E o que é o
normal? De perto, alguém é normal? Convide-se todos a lerem “O alienista”, de
Machado de Assis. Nem sei se adianta muito esse convite. Há que se refletir
sobre um pensamento racista, à Casa Grande, ainda fortemente presente entre
nós. Alguns setores da sociedade brasileira preferem o agigantamento de cadeias
a quaisquer políticas públicas capazes de enfrentar as nossas gritantes
desigualdades, políticas aliás iniciadas desde 2003, como o Bolsa Família,
programa hoje copiado até por países desenvolvidos, tal a sua eficácia. A jornalista e apresentadora do SBT Rachel Sheherazade, sem quaisquer rodeios, justificou a ação de justiceiros – e tem palavra mais imprópria neste caso? – contra um jovem negro de 15 anos violentamente espancado, orelha arrancada, nu e acorrentado a um poste com uma trava de bicicleta, no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Onde posso, destaco o fato de que país nenhum passa incólume por mais de 350 anos de escravidão. Há muitos saudosos da escravidão. Há muitos sentados à varanda da Casa-Grande, melancólicos diante da falta do pelourinho.
Sheherazade disse que a atitude dos vingadores era até compreensível. Que o contra-ataque aos bandidos, a expressão é dela, era uma defesa coletiva. E conclamou aos defensores dos direitos humanos apiedados do marginalzinho – a expressão é dela –, preso ao poste, a participar da campanha “adote um bandido”. Ela expressa um sentimento presente na sociedade brasileira, lamentavelmente. O que nos leva à conclusão de que é absolutamente essencial travarmos um combate de valores, um combate cultural no País.
Os
consumidores de crack são condenados à condição de bandidos automaticamente.
Viraram uma perigosa praga nacional. É a droga do pobres, e por isso denominada
epidêmica. Não é que o álcool seja epidêmico. Não é que o álcool cause tanto
prejuízo aos cofres públicos, ao sistema público de saúde. Não. O álcool pode
ser objeto de intensa publicidade, e nada acontece. Como não acontece nada aos
fumantes das muitas marcas de cigarro, e que mata tanta gente todo ano com as
mortíferas substâncias nelas contidas. Os muitos fármacos legais não são menos
letais. A repressão e a condenação são seletivas.
Será
possível acreditar que mais prisões, mais pelourinhos espalhados pelos
justiceiros, mais matança de jovens negros e pobres nas periferias por
milícias, vão resolver alguma coisa? Será que esse racismo óbvio, essa
sobrevivência da Casa-Grande, irá construir uma sociedade fraterna? Será
possível, com tal grau de violência, convencer alguém a conviver
harmoniosamente em nossa sociedade?
Ser o quarto país do mundo em número de pessoas nas prisões
não indica estarmos enfrentando o problema da criminalidade. É hora de repensar
valores, a presença da cultura racista entre nós, combatê-la, confrontar a
ideia de fazer justiça pelas próprias mãos. Ninguém pode mais ser colocado no
pelourinho como ocorreu com aquele jovem no Rio de Janeiro. A escravidão
acabou.
*jornalista e escritor emiljose@uol.com.br www.emilianojose.com.br