10 de abril de 2013

 

Pastor Átila Brandão, acusado de ter sido um torturador da ditadura


“Corpo amputado querendo se recompor” é o título do artigo do jornalista, escritor, e ex-deputado federal (PT-BA), Emiliano José, que está postado no site da revista CartaCapital. Ele recolheu depoimento do ex-preso político Renato Afonso de Carvalho, na época, militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). O ano de 1970 não pode ser esquecido.  Em maio, o PCBR virou o alvo da repressão militar. Seu dirigente máximo, Mário Alves, foi preso e morreu empalado. Ainda assim, uma equipe do partido assaltou o Banco da Bahia, no bairro Liberdade, em Salvador. Dinheiro para a revolução. Em outubro, Theodomiro Romeiro dos Santos e Paulo Pontes foram presos. Theodomiro reage e mata um sargento. Foi o único preso condenado à morte no Brasil. Renato Afonso quase morreu na tortura. Em Salvador, foi torturado pelo oficial da PM, Átila Brandão, hoje, pastor da Igreja Batista, aliado do prefeito ACM Neto. Eis a verdade.
Renato Afonso em 1968 era estudante da Faculdade de Direito da UFBA. Ele participou da luta para expulsar da universidade estudantes da PM de Salvador, que funcionavam como espiões, entre eles Átila Brandão de Oliveira, acusado de espancar alunos durante os conflitos de rua com a polícia. Os fatos estão detalhadamente registrados nos documentos do SNI. No final de 1970, Renato Afonso escapa para o Rio de Janeiro, onde é preso. Foi barbaramente espancado no centro de tortura da rua Barão de Mesquita.  Passou pela terrível experiência da simulação de fuzilamento, amarrado num poste.  Sua vida foi salva por interferência do Cardeal do Rio de Janeiro, dom Eugênio Salles, acionado pela família.

Transferido para Salvador, ficou preso no Quartel dos Dendezeiros, da Polícia Militar. Foi aí que voltou a se encontrar com Átila Brandão - que chegou ao quartel com uma equipe de torturadores. Estava sendo submetido ao pau-de-arara quando D. Yaiá, mãe de Renato Afonso, teve uma premonição e sentiu que o filho corria perigo. Foi ao quartel dos Dendezeiros e tentou invadir o local, sendo barrada pela sentinela. Avisado, Átila Brandão soltou palavrões, mas suspendeu a sessão de tortura. Anos mais tarde, o ex-oficial torturador da Polícia Militar se transformou no pastor Átila Brandão, fundador da Igreja Batista do Caminho das Árvores, em Salvador. Atualmente, ocupa cargo de confiança do prefeito da capital baiana, ACM Neto. Renato Afonso de Carvalho cumpriu pena na Penitenciária Lemos de Brito, em Salvador. Libertado, transformou-se no prestigiado professor de História dos cursos pré-vestibulares.
LEIA O RELATO DETALHADO DAS CRUELDADES NO SITE DA REVISTA CARTACAPITAL:
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/corpo-amputado-querendo-se-recompor/

9 de abril de 2013

 

Marcelo Odebrecht: Viaje mais, presidente

Minha tendência natural perante assuntos que despertam polêmicas, como as reportagens e os artigos publicados nas últimas semanas sobre viagens do ex-presidente Lula, é esperar a poeira baixar.

Dessa vez, resolvi agir de modo diferente porque entendo que está em jogo o interesse do Brasil e o legado que queremos deixar para as futuras gerações.
As matérias, em sua maioria em tom de denúncia, procuraram associar as viagens a propósitos escusos de empresas brasileiras que as patrocinaram, dentre elas a Odebrecht.

A Odebrecht foi, sim, uma das patrocinadoras da ida do ex-presidente Lula a alguns dos países citados. E o fizemos de modo transparente, por interesse legítimo e por reconhecer nele uma liderança incontestável, capaz de influenciar a favor do Brasil e, consequentemente, das empresas brasileiras onde quer que estejam.
O ex-presidente Lula tem feito o que presidentes e ex-presidentes dos grandes países do hemisfério Norte fazem, com naturalidade, quando apoiam suas empresas nacionais na busca de maior participação no comércio internacional. Ou não seria papel de nossos governantes vender minérios, bens e serviços que gerem riquezas para o país?

Nos últimos meses, o Brasil recebeu visitas de reis, presidentes e ministros, e todos trouxeram em suas comitivas empresários aos quais deram apoio na busca de negócios.
Ocorre que lá fora essas ações são tidas como corretas e até necessárias. Trazem ganhos econômicos legítimos para as empresas e seus países de origem e servem para a implementação da geopolítica de governos que têm visão de futuro, como o da China, por exemplo, que através de suas empresas, procuram, cada vez mais, ocupar espaços estratégicos além fronteiras.

Infelizmente, aqui o questionamento existe, talvez por desinformação. Permitam-me citar alguns números. A receita da Odebrecht com exportação e operações em outros países, no ano de 2012, foi de US$ 9,5 bilhões e nossa carteira de contratos de engenharia e construção no exterior soma US$ 22 bilhões.
Para atender a esses compromissos, mobilizamos 2.891 empresas brasileiras fornecedoras de bens e serviços. No conjunto, elas exportaram cerca de 60 mil itens. Dessas, 1.955 são pequenas empresas e, no total, geraram 286 mil empregos em nosso país. É uma enorme cadeia de empresas e pessoas que se beneficia de nossa atuação em outros países e, obviamente, se beneficia também do apoio governamental a essa atuação. Esse apoio se dá, dentre outras formas, com os financiamentos do BNDES para exportação que, no caso da Odebrecht, é bom que se frise, representam 18% da receita fora do Brasil.

Estamos em 22 países, na grande maioria deles há mais de 20 anos, e exportamos para outros 70. Como ex-presidente, Lula visitou sete, e esperamos que ele e outros governantes visitem muitos mais.
Esses números falam por si, mas decidi me manifestar também porque não quero que disso fiquem sentimentos de covardia ou culpa para as pessoas que trabalham em nossa organização.

Quero minhas filhas e os familiares de nossos integrantes de cabeça erguida, orgulhosos do que nós e outras empresas brasileiras temos feito mundo afora, construindo a Marca Brasil para além do samba e do futebol, ao mesmo tempo em que contribuímos para a prosperidade econômica e justiça social nos países e comunidades onde atuamos.
A inserção internacional nos tornou um país socialmente mais evoluído e comercialmente mais competitivo porque gerou divisas, criou empregos, permitiu trazer novas tecnologias e estimulou a inovação.

O tratamento que está sendo dado por muitos às viagens do ex-presidente Lula é míope e reforça entre nós uma cultura de desconfiança.
Caminhar na construção de uma sociedade de confiança, fundada no respeito entre empresas, entre estas e o poder público e entre o poder público e a sociedade será muito bom para todos nós.

MARCELO ODEBRECHT, 44, engenheiro civil, é presidente da Odebrecht S.A., empresa holding da Organização Odebrecht
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1258560-marcelo-odebrecht-viaje-mais-presidente.shtml

7 de abril de 2013

 

Frei Betto: Renzo Rossi, santo da solidariedade

Correio Braziliense
05/04/2013
Renzo Rossi, santo da solidariedade
Autor - Frei Betto - Escritor, é autor de Diário de Fernando nos cárceres da ditadura militar brasileira (Rocco), entre outros livros.

Ensina a catequese que alguns cristãos lograram o impossível: viver segundo a vontade de Deus. Tiveram vida coerente, praticaram virtudes heroicas, deram testemunho do Evangelho como discípulos exemplares de Jesus. São chamados santos.

Com o tempo descobri que nem tudo que reluz é ouro. Há inúmeros santos anônimos que jamais serão canonizados, e há santos que merecem a glória dos altares e, no entanto, tiveram atitudes nada condizentes com os valores evangélicos.

Aliás, os processos de canonização custam caro, e são inacessíveis àqueles que viveram para os pobres, como Padre Cícero, dom Hélder Câmara, dom Luciano Mendes de Almeida, dom Oscar Romero, para citar apenas alguns clérigos.

Na segunda, 25 de março, perdemos um santo real, incontestável, de quem tive a graça de ser amigo: padre Renzo Rossi, italiano de Florença, jesuíta como o papa Francisco. No sábado, 23, eu deveria visitar Renzo no hospital. Como a Universidade de Florença cancelou minha palestra, deixei de abraçar o amigo de 87 anos que padecia de câncer no pâncreas.

Renzo era movido a uma alegria exuberante. Parecia dotado de mil baterias. De aparência jovial, nunca o vi triste nem mesmo carrancudo. Falava alto, tinha por hábito tocar seus interlocutores e tratá-los com irreverência. Nada parecia abatê-lo nem constrangê-lo.

Em 1965 ele veio integrar, no Brasil, a missão jesuíta de Salvador. Um ano após o golpe militar. Atuava com os pobres sem se envolver com a militância em luta contra a ditadura.

Em 1969 nós, frades dominicanos, fomos presos, acusados de subversão. Ao todo, sete frades. Um deles, Giorgio Callegari, era italiano de Veneza. No ano seguinte, ao retornar de férias à Itália, Renzo encontrou a mãe de frei Giorgio. Ela pediu-lhe que, ao retornar ao Brasil, fosse a São Paulo visitá-lo.
Padre Renzo veio ao Presídio Tiradentes, onde nos encontrávamos presos em companhia de quase 200 companheiros (Dilma Rousseff se encontrava na ala feminina). Frei Tito de Alencar Lima tinha sido reconduzido à tortura em fevereiro de 1970. Renzo ficou impressionado ao vê-lo. Decidiu que, dali em, diante, sua missão seria apoiar as vítimas da ditadura.

Ao longo de seis anos, Renzo visitou 14 cadeias brasileiras que abrigavam prisioneiros políticos. Como ele não tinha nenhum vínculo com política e aparentava ser um cristão destituído de ideologia, não levantou suspeitas.

Renzo não era “neutro”. Estava ali para servir às vítimas, não aos algozes. Tanto que, por ocasião de uma greve de fome nacional, quando todas as comunicações entre presídios foram interrompidas, a repressão cometeu o equívoco de permitir que aquele sacerdote insuspeito visitasse os grevistas. Talvez pensasse que suas preleções poderiam demover os prisioneiros do “gesto suicida”. Mal sabia a ditadura que Renzo servia de pombo-correio entre os cárceres, passando informações e alento.

Em Salvador, foi preso um jovem de 18 anos: Theodomiro Romeiro dos Santos. Já no carro de polícia, sacou seu revólver e atingiu três agentes, matando um quarto, um sargento da Aeronáutica. Renzo passou a visitá-lo. Em 1971, Theodomiro foi condenado à pena de morte, mais tarde comutada em prisão perpétua. Veio a anistia, em 1979, e o jovem marcado para morrer não foi beneficiado.

Renzo temia, como todos nós, pela vida de Theodomiro, isolado em um cárcere e alvo do ódio da ditadura que, aos poucos, desmoronava. Era preciso libertar Theodomiro. Isso implicava subornar carcereiros e policiais.

Renzo voltou à Europa e levantou os recursos. Conseguiu tirar Theodomiro da prisão e do Brasil, conforme relato detalhado no inestimável livro de Emiliano José As asas invisíveis do padre Renzo, que em breve chegará às telas de cinema.

Renzo se foi. Seu exemplo fica. Exemplo de algo que constitui a essência de nossa condição humana e, no entanto, nada fácil de ser praticado: a solidariedade. Jesus ensinou que isso, que é tão humano, é também divino aos olhos de Deus. E, quando se traduz em arriscar a própria vida para salvar outras vidas, se chama amor.

 

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