7 de dezembro de 2013
Mariluce Moura fala das torturas e da morte de Gildo Lacerda à Comissão Estadual da Verdade
Dia 4 de dezembro de 2013. Salão nobre da Reitoria da
Universidade Federal da Bahia. O presidente da Comissão Estadual da Verdade, sociólogo
Joviniano Neto, anuncia três depoimentos a serem prestados, por graves violações
de direitos nas prisões da ditadura militar (1964-1985). Mariluce Moura, viúva do dirigente da Ação
Popular morto na tortura e até hoje com o corpo desaparecido, entrevistada por
Dulce Tamara Lamego Silva e Aquino; Emiliano José da Silva Filho, preso,
torturado e mantido na Penitenciária Lemos de Brito por quatro anos,
entrevistado pelo advogado Jackson Azevedo; e Marival Caldas, sindicalista
petroleiro cassado e preso após o golpe militar, entrevistado por Antônio
Walter Pinheiro, presidente da ABI e diretor da Tribuna da Bahia.
Mariluce Moura exibiu o vídeo intitulado “Anistia”, produzido pela TV Assembléia (SP), com Madalena Soares Prata, viúva de José Carlos da Mata Machado, assassinado na tortura junto com Gildo Lacerda. As duas lêem um manifesto pedindo apuração das responsabilidades, justiça e o corpo desaparecido de Gildo - há 40 anos. Ela já prestou depoimentos nas comissões da verdade de Minas Gerais e São Paulo, duas vezes na Comissão Nacional da Verdade e também numa sessão especial da comissão da verdade da Assembléia Legislativa de São Paulo. No vídeo, Tessa lembra que disse um dia, aos seis anos de idade: “Mãe, conta de novo a história de Gildo, meu pai biológico...”. Desse dia em diante Mariluce dedicou-se com mais vontade a investigar sua história. Tessa conta que desenhou sua mãe grávida no enterro de seu pai. “Uma coisa que nunca aconteceu”. Aos 15 anos, voltou a conversar mais sobre o pai assassinado pelos militares. “É difícil aceitar uma morte em que não se tem a materialidade, a falta de um corpo para ser enterrado...”.
Mariluce contou a história. Trabalhava no Jornal da Bahia quando percebeu que estava sendo vigiada. Conheceu Gildo em 11 de junho de 1972, a data de aniversário do irmão Antonio Jorge. Casaram-se em 22 de agosto deste ano. Mariluce repassa a luta política interna da Ação Popular, a maioria se filia ao PCdoB, uma minoria tenta se reorganizar como AP. Em novembro de 1971 a repressão já tinha completo conhecimento sobre a estrutura da organização revolucionária, com nomes e funções, através da delação do ex-militante Hugo Ramos de Farias. Mais de 200 nomes foram citados. É provável que a divisão provocada pela luta interna tenha impedido que essa informação tenha chegado até Gildo Lacerda.
Dulce Aquino anuncia: “Vamos ouvir o relato de Mariluce
Moura, uma história de amor, heroísmo e de lição de vida. Uma história de
recuperação e de amor, uma mãe que se salva e salva a filha no ventre, Tessa,
hoje professora de Filosofia da USP. No final, o herói morre, dando a vida pela
pátria e pela liberdade”. Dulce Aquino, além de integrante da Comissão da
Verdade da Bahia, é amiga de Mariluce, foram colegas no extinto Colégio
Aplicação da UFBA. Presentes à Audiência irmãos da depoente, entre eles Antônio
Jorge, Cláudia, Suzana, Pedro, Solange. Na platéia, Emiliano José, Waldir
Pires, José Sérgio Gabrielli, Oldack Miranda, Luiz Contreiras, Amabília Almeida,
e todos os demais membros da Comissão da Verdade. E amigos, muitos amigos.
“MÃE, CONTA A HISTÓRIA” Mariluce Moura exibiu o vídeo intitulado “Anistia”, produzido pela TV Assembléia (SP), com Madalena Soares Prata, viúva de José Carlos da Mata Machado, assassinado na tortura junto com Gildo Lacerda. As duas lêem um manifesto pedindo apuração das responsabilidades, justiça e o corpo desaparecido de Gildo - há 40 anos. Ela já prestou depoimentos nas comissões da verdade de Minas Gerais e São Paulo, duas vezes na Comissão Nacional da Verdade e também numa sessão especial da comissão da verdade da Assembléia Legislativa de São Paulo. No vídeo, Tessa lembra que disse um dia, aos seis anos de idade: “Mãe, conta de novo a história de Gildo, meu pai biológico...”. Desse dia em diante Mariluce dedicou-se com mais vontade a investigar sua história. Tessa conta que desenhou sua mãe grávida no enterro de seu pai. “Uma coisa que nunca aconteceu”. Aos 15 anos, voltou a conversar mais sobre o pai assassinado pelos militares. “É difícil aceitar uma morte em que não se tem a materialidade, a falta de um corpo para ser enterrado...”.
O vídeo exibido mostra imagens do pai de Gildo Lacerda: “Ele
agora está com Deus, dizem que ele morreu, mas, não vi os restos mortais dele.
A notícia que tenho é pelos jornais”. “Eu queria enterrar meu pai”, declara
Tessa Lacerda Moura. Mariluce ressalta que quatro gerações aguardam o
descobrimento do corpo de Gildo Macedo Lacerda. A dos pais dele, a dele e de
Mariluce, a da filha Tessa, e ainda a de Nara, filha de Tessa.
REPRESSÃO E DELAÇÕESMariluce contou a história. Trabalhava no Jornal da Bahia quando percebeu que estava sendo vigiada. Conheceu Gildo em 11 de junho de 1972, a data de aniversário do irmão Antonio Jorge. Casaram-se em 22 de agosto deste ano. Mariluce repassa a luta política interna da Ação Popular, a maioria se filia ao PCdoB, uma minoria tenta se reorganizar como AP. Em novembro de 1971 a repressão já tinha completo conhecimento sobre a estrutura da organização revolucionária, com nomes e funções, através da delação do ex-militante Hugo Ramos de Farias. Mais de 200 nomes foram citados. É provável que a divisão provocada pela luta interna tenha impedido que essa informação tenha chegado até Gildo Lacerda.
Muitos anos depois, outra delação, de Gilberto Prata Soares,
vai causar as prisões e mortes de todos os dirigentes da Ação Popular,
incluindo José Carlos da Mata Machado e Gildo Lacerda. Mariluce vai revelando a
história e a queda da Ação Popular. Até chegar ao 22 de outubro de 1973 quando
ela (grávida de Tessa), Gildo, Oldack, Odívia, Nadja Magalhães Miranda e sua irmã são presos pela Polícia Federal da
Bahia. Mariluce foi submetida a choques elétricos, nua, espancamentos, com os
olhos vendados. Além do coronel Luiz Artur de Carvalho, superintendente da Polícia
Federal da Bahia, não tem nomes dos torturadores.
Há documentos que provam que Gildo Lacerda foi entregue ao
CIEX, Centro de Informações do Exército Brasileiro, em 26 de outubro de 1973. É
levado para o DOI-CODI de Recife (PE) onde é barbaramente executado na tortura.
Seu corpo e o de Mata Machado foram enterrados como indigentes no Cemitério da
Várzea. O corpo de José Carlos Mata Machado foi devolvido à família, e existe o
registro da exumação no cemitério. O corpo de Gildo Macedo Lacerda nunca
apareceu. “Gildo foi levado para uma longa viagem”, disse-lhe um agente
policial. No dia 31 de outubro dois agentes entraram em sua cela e começaram a
recolher objetos, cinto, colheres: “Você gosta de se vestir de preto?” e
sorriu. Enfim, um capelão do Exército informou a ela a morte do marido, através
das notas de jornais contando a fantasiosa historinha de tiroteio e fugas. Há
testemunhas que viram Gildo e José Carlos moribundos no DOI-CODI de Recife, com
as mãos algemadas pelas costas, seus gritos, o cheiro de fezes misturado com
creolina. Depois o silêncio.
UMA SOBREVIVENTE
Em 1982, quando Mariluce escreveu “A Revolta das Vísceras”,
com suas dores, ainda alimentava lá no fundo a fantasia de um dia reencontrar
Gildo. Hoje, ela não tem mais dúvidas. Enfrentou a depressão, o odeio, a
tentação do suicídio, a demissão da universidade: “O que me manteve viva foi a
gravidez, tive que mudar o curso de minha vida, fui para São Paulo e me tornei uma
sobrevivente”. A certidão de nascimento de Tessa levou 15 anos de luta judicial
para incorporar o nome do pai. Emiliano José e José Sérgio Gabrielli foram
testemunhas dessa trajetória. Hoje, temos uma certidão de óbito requerida e
concedida “nos termos da lei”. No caso, a Lei da Anistia.
Ela avalia que a gravidez de Tessa a salvou de mais
torturas. Os militares a conduziram ao Hospital Militar da Ladeira dos Galés,
em Salvador, para exame médico, queriam fazer um raio-x do tórax e ela se
recusou. Comprovada a gravidez, não foi mais torturada fisicamente. O
depoimento de Mariluce foi encerrado por Dulce de Aquino. “Sinto que teremos
que buscar justiça depois dos trabalhos da Comissão da Verdade. Pois é preciso
nos perguntar, para que serve tudo isso?”. (Blog BAHIA DE FATO).6 de dezembro de 2013
Theodomiro emociona ao depor na Comissão da Verdade na Bahia
Theodomiro
Romeiro dos Santos era militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
(PCBR). Foi preso em outubro de 1970, após o assassinato do dirigente comunista
Mário Alves, por empalamento – a introdução de um cassetete dentado no ânus. A
orientação era resistir à prisão. Ele reagiu, atirou em dois, matou um sargento
da aeronáutica à paisana, passou a ser barbaramente torturado. Aos 17 anos foi
condenado à morte, a primeira condenação
à morte após a Proclamação da República, depois transformada em prisão
perpétua, sendo obrigado a fugir com a decretação da Lei da Anistia, que não o
alcançaria - militares fascistas planejavam matá-lo. Viveu no exílio até a redemocratização do país. Seu depoimento foi
conduzido pelo advogado Jackson Azevedo, membro da Comissão Estadual da Verdade.
O coronel
Luiz Artur de Carvalho, superintendente da Polícia Federal, era um torturador
fingido e covarde. O diretor da Penitenciária Lemos de Brito, Osmundo Tosta,
era um corrupto que roubava o dinheiro da refeição dos presos; o cabo Dalmar
Caribé e os capitães Hemetério Chaves
Filho e Gildo Ribeiro eram torturadores sádicos que se compraziam com o ofício
do tormento. O médico chamado para avaliar o estado físico do torturado jogou
éter nos ferimentos e nos olhos do preso. Theodomiro Romeiro dos Santos
sobreviveu para contar a história.
De volta ao
Brasil estudou Direito, prestou concurso para juíz do trabalho e por 20 anos
exerceu a magistratura em Recife. Presidiu a Associação dos Magistrados
Trabalhistas de Pernambuco. Foi anistiado e aposentado ao somar os 9 anos de
prisão ao tempo de aposentadoria, conforme a lei. Ao prestar seu depoimento, defendeu
a relevância da Comissão da Verdade por resgatar a história verdadeira do ciclo
da ditadura militar. Nascido em 1953, tinha, portanto, 12 anos quando veio o
golpe militar. Aproximou-se da luta política influenciado pela abertura da
Igreja Católica na era do papa João XXIII.
Aos 15 anos
já era militante no movimento estudantil. Com a radicalização do AI-5 saiu do Recife
e foi para Salvador. Integrou a Corrente Revolucionária, uma dissidência do PCB,
que deu origem posteriormente a organizações da luta armada. Entrou para a
clandestinidade por abrigar em sua casa um militante da ALN que acabou preso. A
idéia política era a de acumular força para desencadear a guerrilha rural.
Participou do assalto ao Banco da Bahia no bairro Liberdade, operação
fracassada que acabou em tiroteio. Recusou-se a se exilar e acabou preso no
Dique do Tororó. Foi aí que atirou em dois e matou um.
Theodomiro
Romeiro dos Santos passou a ser violentamente torturado. Na sede da Polícia
Federal, á época no Comércio, Cidade Baixa, passou por um raivoso corredor
polonês, levou coronhadas de fuzil, desmaiou e perdeu a noção do tempo. Foi
torturado pessoalmente pelo coronel Luiz Artur de Carvalho, que chamou um
médico para avaliar o seu estado físico, se agüentaria mais torturas. O médico
militar raspou –lhe a cabeça e jogou éter nos ferimentos, provocando intensa
dor ao atingir os olhos. As paredes da cela na Polícia Federal ficaram
manchadas de seu sangue e eram usadas como fator aterrorizante contra os presos
políticos. Foi torturado com choques elétricos na Polícia Federal, no Quartel
dos Fuzileiros Navais, no Quartel do Barbalho onde funcionava o comando da
Polícia do Exército e a 4ª Companhia de Guardas.
O comandante
do Quartel do Barbalho era o capitão Hemetério Chaves Filho, executor e
mandante das torturas sistemáticas. A sala do comando era equipada com
ferramentas de tortura. Sobreviveu e foi levado para a Penitenciária Lemos de
Brito, onde o diretor Osmundo Tosta se apropriava do dinheiro da comida dos
presos e transformava em tortura a refeição. Foram anos de prisão numa cela sem
sanitário, onde as necessidades fisiológicas eram feitas numa lata de querosene.
A prisão era, em si, uma tortura.
Ele lembrou
que no Forte do Barbalho o cabo Dalmar Caribé, o mesmo que em 1971 participaria
do cerco e morte do capitão Lamarca no sertão da Bahia, entrou em sua cela com
mais três agentes. Deram-lhe chutes, por pura crueldade, já que não queriam
mais informações. Convencido que não o soltariam nem com a Lei da Anistia,
fugiu para o México, depois Paris, com ajuda de religiosos, padre Renzo, padre
Cláudio Perani, as monjas em Vitória da Conquista e afinal abrigado na
Nunciatura Apostólica em Brasília.
Por que
Theodomiro Romeiro dos Santos reagiu armado à prisão? Porque depois do
assassinato do dirigente do PCBR, jornalista Mário Alves, na tortura e por
empalamento medieval, a ordem do PCBR era resistir. Por que Theodomiro fugiu?
Para não ser morto por militares vingativos e doentios.
A verdade
verdadeira vai ficar registrada nos Anais da Comissão da Verdade.5 de dezembro de 2013
Comissão Estadual da Verdade promove ato na reitoria da UFBA
A Tarde (Patrícia França) – “Era cinco de abril de
1964. Cheguei em casa, no Campo Grande, e encontrei a rua cercada por dois
caminhões militares com holofotes enormes. Indaguei a uma pessoa o que estava
acontecendo. Estão prendendo o prefeito, respondeu. MKe dirigi então ao Quartel
da Mouraria e o general que me deu ordem de prisão disse: “você está preso
porque somos cristãos”.
O relato faz parte do depoimento que o ex-prefeito de
Salvador, Virgildásio de Senna, empossado em abril de 1963 e deposto pelo golpe
militar de 1964, deu, ontem (04/12/2013) em audiência da Comissão Estadual da
Verdade. A sessão foi realizada no salão nobre da reitoria da UFBA.
Também prestaram depoimentos o juiz aposentado do
trabalho em Recife (PE) Theodomiro Romeiro dos Santos, que entrou para a
história do Brasil como o primeiro condenado à morte durante a República; o
engenheiro e ex-dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Luiz
Contreiras; e o artista plástico Juares Paraíso.
A Comissão Estadual da Verdade, coordenada pelo
sociólogo Joviniano Neto, vai ouvir, ao todo, dez vítimas de violações de
direitos na ditadura militar (1964-1985).
Na audiência de hoje, marcada para as 14h, serão
ouvidos o ex-deputado federal Emiliano José (PT), que foi preso e torturado, e
a jornalista Mariluce Moura, viúva de Gildo Macedo Lacerda, seqüestrado na
Bahia e morto aos 24 anos em dependências so estado brasileiro. O corpo ainda
está desaparecido.
DEPOIMENTOS
Virgildásio de Senna que não tinha nem um ano como
prefeito, disse que foi cassado por um bilhete do general Mendes Pereira
enviado à Câmara Municipal comunicando que ele deveria ser afastado do cargo. “Só
dois vereadores defenderam meu mandato, Luis Leal e Luis Sampaio”, informou.
Os depoimento seguintes emocionaram os ouvintes.
Theodomiro Romeiro disse que soube da prisão que seria condenado à pena de
morte antes dfe ser julgado e relatou as torturas que sofreu no quartel do
Barbalho. Um de seus algozes foi o capitão hemetério Chaves Filho, então
comandante da Polícia do Exército. “O isolamento era grande, sem água, jornal,
o dia inteiro fechado, éramos submetidos aoregime de preso em castigo”, disse.
O comunista Luiz Contreiras foi preso na Operação
Radar, que tinha o objetivo de dizimar os líderes do Partidão (PCB). Ele
confirmou que foi torturado em Alagoinhas pelo coronel Brilhante Ustra,
ex-chefe do DOI-CODI do II Exército, um dos órgãos atuantes da repressão, e o
delegado do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) Sérgio Paranhos
Fleury.
Já o artista plástico Juarez Paraíso foi preso por
organizar a Bienal da Bahia, em 1968. “Era parte de um golpe orquestrado pelos
militares para derrubar o governador Luiz Viana Filho”, disse ele. (A Tarde
04/12/2013).
Depoimentos de torturados na Bahia encerram audiências públicas
A TARDE (Patrícia França) -
Com os depoimentos do jortnalista e ex-deputado federal pelo PT, Emiliano
José, da jornalista Mariluce Moura e do petroleiro aposentados e ex-deputado
estadual cassado Wilton Valença, a Comissão Estadual da Verdade encerrou ontem
(04/12) a série de audiências programadas para este ano.
NOTA DO BLOG BAHIA DE FATO – Na verdade, os depoimentos de
ontem (04/12/2013) foram de Emiliano, Mariluce e Marival Caldas, este também
petroleiro aposentado. Wilton Valença não pode comparecer por motivo de doença.
Segue o texto de Patrícia França:
As sessões ocorreram no Salão Nobre da reitoria da
Universidade Federal da Bahia. No total foram ouvidos nove baianos vítimas das
violações de direitos na ditadura militar, entre 1964 e 1985.
Emiliano José falou de sua militância política na Ação
Popular (AP) contra o regime militar e a prisão, em 1970. Ele foi preso por
policiais do coronel Luiz Artur de Carvalho, então superintendente da Polícia
Federal na Bahia.
“Indaguei porque estava sendo preso e ele (o coronel) disse
que eu ia saber quando fosse colocado no pau”, lembrou Emiliano, que foi
encaminhado ao quartel do Barbalho. “Sofritodo tipo de tortura, choque
elétrico, afogamento, pau de arara”.
O jornalista disse que foi torturado pelo capitão Hemetério
Chaves Filho, comandante da Polícia do exército e pelo capitão Gildo ribeiro,
que era da PM. Condenado a sete anos de prisão, cumpriu quatro na Galeria F da
Penitenciária Lemos Brito.
Outro depoimento emcionado foi o da jornalista Mariluce
Moura. Presa grávida, em 1973, com o marido Gildo Macedo Lacerda, militante da
AP, foram torturados no Barbalho. “É uma luta de quatro gerações”, disse
Mariluce. Levado para Pernambuco, Gildo foi morto pela repressão. (A Tarde –
05/12/2013, página B2).Virgildásio Senna: “Fui cassado em 1964 por um bilhete de general”
Os jornais A
Tarde e Tribuna da Bahia deram boa cobertura à 2ª Audiência Pública realizada
pela Comissão Estadual da Verdade no Salão Nobre da Reitoria da UFBA. Nos dias
3 e 4 de dezembro foram ouvidas pessoas que tiveram direitos violados pelo
militares golpistas. Os depoimentos
foram emocionantes. O texto da
jornalista Patrícia França começa assim: “Era 5 de abril de 1964. Cheguei em
casa no Campo Grande e encontrei a rua cercada por dois caminhões militares, com
holofotes enormes. Indaguei a uma pessoa o que estava acontecendo. Estão
prendendo o prefeito. Me dirigi então ao Quartel da Mouraria e o general que me
deu ordem de prisão disse: “Você está preso porque somos cristãos”.
O relato faz
parte do depoimento do ex-prefeito de Salvador, Virgildásio Senna, eleito pelo
voto direto, empossado em abril de 1963, deposto pelo golpe militar e mantido
preso por 60 dias Na parte da manhã também falaram o juiz federal aposentado Theodomiro Romeiro
dos Santos , que entrou para a história do Brasil como o primeiro condenado à
morte durante a República; o engenheiro Luiz Contreiras, ex-dirigente do
Partido Comunista Brasileiro e o artista plástico Juarez Paraíso. O objetivo da
Comissão da Verdade, coordenada pelo sociólogo Joviniano Neto, é resgatar os
fatos com fontes fidedignas, “fundamental para que outras gerações conheçam
mais sobre este período e que possam saber que é possível exercer política com
dignidade”, segundo Suzana de Senna, filha do ex-prefeito cassado.
Virgildásio
Senna, que não completara um ano de mandato, foi cassado por um bilhete do
general Mendes Pereira enviado à Câmara Municipal, comunicando que ele deveria
ser afastado. Apenas dois vereadores defenderam o mandato legal, Luis Leal e
Luiz Sampaio. A Audiência Pública retomou assim, por instantes, o clima de
trágicas anedotas em torno do golpe militar e dos absurdos praticados por
golpistas ignorantes e fardados. Na
parte da tarde, foram ouvidos Olderico Barreto, sobrevivente do cerco ao heróico
capitão Carlos Lamarca, em 1971, quando dois irmãos seus foram assassinados:
José Campos Barreto e Otoniel Campos Barreto, juntamente com o militar
revolucionário; a socióloga Eliana Rolemberg, presa, torturada e exilada e o
artista plástico Juarez Paraíso.
Na abertura
da Audiência Pública, a reitora Dora Rodrigues Leal, saudou os participantes na
pessoa de Amabilia Almeida, educadora, ex-deputada e de longa trajetória na
resistência à ditadura. “Estamos resgatando a história através do depoimento
dos que viveram o período e para dizer que ditadura nunca mais”. Na ocasião,
anunciou a criação da Comissão da Verdade da Universidade Federal da Bahia. (
Fonte: Blog Bahia de Fato).
Comissão da Verdade, resgatando os subterrâneos da história
A Comissão Estadual da Verdade é um mecanismo oficial de
apuração de violações dos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, com
foco nos crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985). Os integrantes
estão oficialmente investidos de poderes para identificar e reconhecer os fatos
e pessoas que cometeram violências, assim como as que sofreram violências. Compõem
a Comissão Estadual da Verdade na Bahia a educadora Amabília Almeida, Antônio
Walter Pinheiro (ABI), Carlos Navarro Filho, Dulce Tamara Lamego Silva Aquino,
Jackson Azevedo, Joviniano Soares Carvalho Neto (presidente) e Vera Christina
Leonelli. A comissão foi criada por decreto do governador Jaques Wagner em
dezembro de 2012.
Por que iniciar com o depoimento de dez pessoas? Porque eles
representam a “ponta do iceberg”, disse o presidente da Comissão da Verdade,
Joviniano Neto, na abertura da Audiência Pública realizada (03/12/2013) no
salão Nobre da Reitoria da UFBA.
Virgildásio Senna, ex-prefeito cassado em abril de 1964, não era
comunista, e foi deposto pelo arbítrio para bloquear o avanço da democracia;
Theodomiro Romeiro dos Santos e Olderico Barreto representam os baianos que
escolheram o caminho da luta armada, um direito dos povos oprimidos; Luiz
Contreiras, dirigente do PCB que não apoiava a luta armada e assim mesmo foi
preso, torturado; o artista plástico Juarez Paraíso representa a perseguição às
artes e à cultura; Wilton Valença e Marival Caldas são sindicalistas
petroleiros que defenderam a Petrobrás e os trabalhadores, pagando com prisão e
demissão do emprego; Emiliano José,
Mariluce Moura e Eliana Rolemberg são exemplos da juventude que arriscou a vida
na luta contra a ditadura.
Coube ao sociólogo Joviniano Neto entrevistar Virgildásio
Senna, lúcido, aos 90 anos, eleito duas vezes deputado federal após a
redemocratização. “O caminho é a democracia, precisamos de mais democracia,
pluralismo, porque o radicalismo é a chaga do processo político”. Ele lembrou
do cenário da Guerra Fria dos anos 1960, da radicalização dos comícios e do
advento do golpe militar. “o senhor está preso porque está preso” foi o
argumento do oficial do Exército que o prendeu no Quartel da Mouraria, quando
ele se apresentou. No episódio da cassação do mandato do prefeito, de 15 em 15
minutos os vereadores eram chamados ao Quartel. Foi processado pela Justiça
Militar com uma acusação ridícula de “vínculo com potências estrangeiras”.
Mesmo com um processo inepto, em 1968 foi cassado oficialmente pelo STM, com
perda dos direitos políticos por 18 anos.
Cassado, foi com a família para o Rio de Janeiro, recomeçar
a vida, com a conta bancária bloqueada pelos militares. Com a redemocratização
foi eleito deputado constituinte na Assembléia Nacional Constituinte de 1988. Em
seu depoimento disse esperar que, sem revanchismo, que a Comissão da Verdade
revele o que foi escondido pela malícia, violência, tortura e truculência que
passaram a dominar o Brasil. “Quem diz a verdade, manifesta a justiça” disse
Joviniano Neto citando o Velho Testamento.