6 de dezembro de 2013

 

Theodomiro emociona ao depor na Comissão da Verdade na Bahia

Theodomiro Romeiro dos Santos era militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Foi preso em outubro de 1970, após o assassinato do dirigente comunista Mário Alves, por empalamento – a introdução de um cassetete dentado no ânus. A orientação era resistir à prisão. Ele reagiu, atirou em dois, matou um sargento da aeronáutica à paisana, passou a ser barbaramente torturado. Aos 17 anos foi condenado à morte, a primeira condenação  à morte após a Proclamação da República, depois transformada em prisão perpétua, sendo obrigado a fugir com a decretação da Lei da Anistia, que não o alcançaria - militares fascistas planejavam matá-lo. Viveu no exílio até a redemocratização do país. Seu depoimento foi conduzido pelo advogado Jackson Azevedo, membro da Comissão Estadual da Verdade.

O coronel Luiz Artur de Carvalho, superintendente da Polícia Federal, era um torturador fingido e covarde. O diretor da Penitenciária Lemos de Brito, Osmundo Tosta, era um corrupto que roubava o dinheiro da refeição dos presos; o cabo Dalmar Caribé e os  capitães Hemetério Chaves Filho e Gildo Ribeiro eram torturadores sádicos que se compraziam com o ofício do tormento. O médico chamado para avaliar o estado físico do torturado jogou éter nos ferimentos e nos olhos do preso. Theodomiro Romeiro dos Santos sobreviveu para contar a história.
De volta ao Brasil estudou Direito, prestou concurso para juíz do trabalho e por 20 anos exerceu a magistratura em Recife. Presidiu a Associação dos Magistrados Trabalhistas de Pernambuco. Foi anistiado e aposentado ao somar os 9 anos de prisão ao tempo de aposentadoria, conforme a lei. Ao prestar seu depoimento, defendeu a relevância da Comissão da Verdade por resgatar a história verdadeira do ciclo da ditadura militar. Nascido em 1953, tinha, portanto, 12 anos quando veio o golpe militar. Aproximou-se da luta política influenciado pela abertura da Igreja Católica na era do papa João XXIII.

Aos 15 anos já era militante no movimento estudantil. Com a radicalização do AI-5 saiu do Recife e foi para Salvador. Integrou a Corrente Revolucionária, uma dissidência do PCB, que deu origem posteriormente a organizações da luta armada. Entrou para a clandestinidade por abrigar em sua casa um militante da ALN que acabou preso. A idéia política era a de acumular força para desencadear a guerrilha rural. Participou do assalto ao Banco da Bahia no bairro Liberdade, operação fracassada que acabou em tiroteio. Recusou-se a se exilar e acabou preso no Dique do Tororó. Foi aí que atirou em dois e matou um.
Theodomiro Romeiro dos Santos passou a ser violentamente torturado. Na sede da Polícia Federal, á época no Comércio, Cidade Baixa, passou por um raivoso corredor polonês, levou coronhadas de fuzil, desmaiou e perdeu a noção do tempo. Foi torturado pessoalmente pelo coronel Luiz Artur de Carvalho, que chamou um médico para avaliar o seu estado físico, se agüentaria mais torturas. O médico militar raspou –lhe a cabeça e jogou éter nos ferimentos, provocando intensa dor ao atingir os olhos. As paredes da cela na Polícia Federal ficaram manchadas de seu sangue e eram usadas como fator aterrorizante contra os presos políticos. Foi torturado com choques elétricos na Polícia Federal, no Quartel dos Fuzileiros Navais, no Quartel do Barbalho onde funcionava o comando da Polícia do Exército e a 4ª Companhia de Guardas.

O comandante do Quartel do Barbalho era o capitão Hemetério Chaves Filho, executor e mandante das torturas sistemáticas. A sala do comando era equipada com ferramentas de tortura. Sobreviveu e foi levado para a Penitenciária Lemos de Brito, onde o diretor Osmundo Tosta se apropriava do dinheiro da comida dos presos e transformava em tortura a refeição. Foram anos de prisão numa cela sem sanitário, onde as necessidades fisiológicas eram feitas numa lata de querosene. A prisão era, em si, uma tortura.
Ele lembrou que no Forte do Barbalho o cabo Dalmar Caribé, o mesmo que em 1971 participaria do cerco e morte do capitão Lamarca no sertão da Bahia, entrou em sua cela com mais três agentes. Deram-lhe chutes, por pura crueldade, já que não queriam mais informações. Convencido que não o soltariam nem com a Lei da Anistia, fugiu para o México, depois Paris, com ajuda de religiosos, padre Renzo, padre Cláudio Perani, as monjas em Vitória da Conquista e afinal abrigado na Nunciatura Apostólica em Brasília.

Por que Theodomiro Romeiro dos Santos reagiu armado à prisão? Porque depois do assassinato do dirigente do PCBR, jornalista Mário Alves, na tortura e por empalamento medieval, a ordem do PCBR era resistir. Por que Theodomiro fugiu? Para não ser morto por militares vingativos e doentios.
A verdade verdadeira vai ficar registrada nos Anais da Comissão da Verdade.

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