As manifestações realizadas pelo
país afora podem marcar uma inflexão na forma de se conceber e fazer política
na nossa jovem democracia. Ao contrário de muitas análises que apontam e se
encerram no esgotamento da democracia representativa e na insatisfação geral da
população com os políticos – sem negar uma crise da representação (para mais
além da política) e de razões para o descontentamento com parte da classe
política –, penso que os acontecimentos recentes trazem a possibilidade de uma
refundação da política como espaço público de discussão, proposição e dissensão
no campo das ideias em torno do viver junto.
A maioria dos comentários focou a
sua análise num esgotamento da democracia representativa e na insatisfação da
população com os políticos e a corrupção. Chama a atenção o acento colocado nos
políticos e a pressa com a qual se tentou confundir movimento apartidário com
antipartidário. Existe uma sanha em desqualificar a política nos últimos anos
no país, num desejo irrefreável de “higienizar” a democracia de sua face mais
rica: o viver junto com a diferença. Toda tentativa de criar pseudoconsenso,
apagar as diferenças e forjar discursos em torno de uma ordem e harmonia na
vida de grupo faz parte de uma cosmética totalitária e contém em si um voto de
morte, cujas experiências totalitárias do século XX foram um forte prenúncio.
Um bom exemplo desse caráter
assassino do apagamento das diferenças é a vida de casal, essa pequena multidão
de dois. Quando o laço conjugal é animado por uma tentativa de equalizar o
discurso, tornar a relação mais harmoniosa, excluir a discordância e atingir o
consenso o efeito é a morte erótica do casal; num deslocamento para uma relação
fraterna, onde inicialmente um desejo foi animado pela diferença. O mesmo vale
para o laço social: o perigo mortífero do totalitarismo não está nas palavras
proibidas, mas nas chamadas “palavras de ordem” – as que somos obrigados a
dizer. A “voz das ruas” pode possibilitar mudanças se a escuta for polissêmica
e plural – não uma cantilena monocórdia mais afeita das carpideiras da democracia.
Claudio Carvalho – Psicanalista,
analista membro e vice-presidente da Associação de Psicanálise da Bahia – APBa
e autor do livro O Educador e o Psicanalista: Um Diálogo do Cotidiano. (Texto publicado no jornal A Tarde
de 5 de julho de 2013)
# posted by Oldack Miranda @ 6:04 PM