13 de julho de 2013

 

AS VOZES DA RUA: NO PLURAL, POR FAVOR.


 As manifestações realizadas pelo país afora podem marcar uma inflexão na forma de se conceber e fazer política na nossa jovem democracia. Ao contrário de muitas análises que apontam e se encerram no esgotamento da democracia representativa e na insatisfação geral da população com os políticos – sem negar uma crise da representação (para mais além da política) e de razões para o descontentamento com parte da classe política –, penso que os acontecimentos recentes trazem a possibilidade de uma refundação da política como espaço público de discussão, proposição e dissensão no campo das ideias em torno do viver junto.
A maioria dos comentários focou a sua análise num esgotamento da democracia representativa e na insatisfação da população com os políticos e a corrupção. Chama a atenção o acento colocado nos políticos e a pressa com a qual se tentou confundir movimento apartidário com antipartidário. Existe uma sanha em desqualificar a política nos últimos anos no país, num desejo irrefreável de “higienizar” a democracia de sua face mais rica: o viver junto com a diferença. Toda tentativa de criar pseudoconsenso, apagar as diferenças e forjar discursos em torno de uma ordem e harmonia na vida de grupo faz parte de uma cosmética totalitária e contém em si um voto de morte, cujas experiências totalitárias do século XX foram um forte prenúncio.

Um bom exemplo desse caráter assassino do apagamento das diferenças é a vida de casal, essa pequena multidão de dois. Quando o laço conjugal é animado por uma tentativa de equalizar o discurso, tornar a relação mais harmoniosa, excluir a discordância e atingir o consenso o efeito é a morte erótica do casal; num deslocamento para uma relação fraterna, onde inicialmente um desejo foi animado pela diferença. O mesmo vale para o laço social: o perigo mortífero do totalitarismo não está nas palavras proibidas, mas nas chamadas “palavras de ordem” – as que somos obrigados a dizer. A “voz das ruas” pode possibilitar mudanças se a escuta for polissêmica e plural – não uma cantilena monocórdia mais afeita das carpideiras da democracia.

Claudio Carvalho – Psicanalista, analista membro e vice-presidente da Associação de Psicanálise da Bahia – APBa e autor do livro O Educador e o Psicanalista: Um Diálogo do Cotidiano. (Texto publicado no jornal A Tarde de 5 de julho de 2013)

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