14 de maio de 2013
Íntegra do pronunciamento do deputado federal Geraldo Simões (PT-BA) condenando pastor Atila Brandão por perseguir jornalista Emiliano José
Sr presidente,
Senhoras deputadas, senhores deputados,
Na minha terra, Bahia, está a ocorrer uma volta ao passado. Um pastor
evangélico da Igreja Batista Caminho das Árvores entrou na Justiça contra um
escritor e jornalista, Emiliano José. O
professor Emiliano José todos conhecemos, Doutor em Comunicação pela Faculdade
de Jornalismo da UFBA, 25 anos de ensino universitário, foi deputado federal,
deputado estadual, vereador por Salvador, presidente do PT da Bahia, membro do
Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo, do Conselho de Redação da revista
Teoria e Debate e autor de pelo menos 11 livros, todos sobre o resgate da
memória da ditadura militar de 1964, que assombrou o Brasil por 21 anos. Jornalista
de profissão, Emiliano José construiu sua carreira nas redações da Tribuna da
Bahia, Jornal da Bahia, Estado de S. Paulo, O Globo, revista Visão, jornais
Movimento e Em Tempo, e ainda assina reportagens nas revistas CartaCapital,
Caros Amigos, sites como Carta Maior, Terra Magazine e, quinzenalmente, publica artigos no jornal A Tarde.
Já o pastor que processa o jornalista chama-se Átila Brandão, ex-oficial
da Polícia Militar da Bahia, de grande currículo na repressão aos estudantes e
contra os militantes que combatiam a ditadura. O hoje pastor Atila Brandão,
auto-intitulado bispo da Igreja Batista Caminho das Árvores, fundada por ele,
despeja sua santa ira contra o jornalismo e a liberdade de expressão. O Sr
Átila Brandão, contra todas as evidências documentais, sentindo-se convenientemente
“caluniado” entrou com queixa-crime no Juizado Especial Criminal de Salvador,
contra o jornalista Emiliano José. É que Emiliano José publicou no jornal A
Tarde, respeitado veículo da imprensa baiana, um texto intitulado “As
premonições de Yaiá”, com base no depoimento gravado de D. Maria Helena Rocha
Afonso, conhecida como D. Yaiá, mãe do ex-preso político e hoje bastante reconhecido
professor de História, Renato Afonso de Carvalho.
D. Yaiá, numa premonição, em 1971, sentiu que o filho, Renato Afonso,
preso no Quartel da Polícia Militar dos Dendezeiros, situado na Cidade Baixa,
bairro do Senhor do Bonfim, corria perigo, coisa corriqueira naqueles tempos
sombrios. Pegou um táxi, saltou no Quartel dos Dendezeiros, passou pelo
sentinela e começou a fazer barulho para ver seu filho. Interrompeu assim uma
sessão de tortura comandada pelo então oficial PM Átila Brandão. A mãe salvou a
vida de seu filho e o ex-oficial da PM se viu obrigado a se retirar com seus
equipamentos de tortura. Poucos dias depois de prestar depoimento ao jornalista
Emiliano José, D. Yaiá faleceu. Seu filho, o ex-preso político Renato Afonso,
confirmou as denúncias da mãe, em minucioso depoimento, também prestado ao
jornalista, que o publicou num texto intitulado “Corpo amputado querendo se recompor”,
no site da revista CartaCapital.
Diante da queixa-crime contra o profissional de imprensa, o Sindicato
dos Jornalistas da Bahia divulgou NOTA DE REPÚDIO, o presidente da Federação
Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Celso Schröder incorporou a NOTA DE REPÚDIO
do Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba) e se solidarizou com Emiliano
José, considerando a ação penal promovida pelo pastor evangélico uma grave
violação à liberdade de imprensa e à liberdade de opinião. O deputado estadual
Rosemberg Pinto (PT-BA) denunciou o ataque ao jornalismo na Assembléia
Legislativa da Bahia.
A repercussão está ganhando dimensão nacional. A malfadada ação mereceu Moção
de Solidariedade ao jornalista, no “Encontro Nacional da Sociedade Civil pela
Memória, Verdade e Justiça”, reunido em São Paulo nos dias 27 e 28 de abril
último, com 40 representantes, de praticamente todos os estados do Brasil, dos comitês
estaduais, fóruns e entidades vinculadas ao “Movimento Memória, Verdade e
Justiça”. “Nós, militantes dos direitos humanos manifestamos solidariedade ao
jornalista e escritor Emiliano José, alvo de queixa-crime perpetrada pelo
ex-policial e pastor Atila Brandão, denunciado como torturador de preso
político”, afirma o documento. Todos assinaram a Moção de Solidariedade,
inclusive personalidades reconhecidas pela luta dos direitos humanos como Luiza
Erundina, Gilney Viana e Anivaldo Padilha.
Também o “Grupo Tortura Nunca Mais” da Bahia
divulgou importante manifesto em “Defesa da História e da Verdade”, assinado
por seu presidente, sociólogo Joviniano Neto. O documento considera que
“agressão ao exercício da função de jornalista, às liberdades de manifestação e
expressão, tentativa de se recusar a responder diante de acusações de tortura e
ações policialescas praticadas durante a ditadura militar, estes são os
significados do processo instaurado pelo ex-policial Atila Brandão contra o
jornalista, de reconhecida atuação na área dos direitos humanos e na
reconstituição do período militar”. O Manifesto defende que “jornalista tem
direito de elaborar matérias e reportagens sobre temas relevantes e tentar
incriminá-lo por isto é ameaçar o próprio exercício do direito à informação”.
Afinal, quem é esse
pastor da Igreja Batista Caminho das Árvores?
O pastor Átila Brandão é um ex-oficial da Polícia Militar da Bahia, que
manchou a história de sua Corporação, dedicando-se a exercer violenta repressão
às manifestações anti-ditadura dos estudantes baianos nos anos de chumbo. Documentos
do SNI revelam que ele espancava estudantes nos conflitos de rua. Em 1968, os
estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA)
chegaram a fazer uma greve de três meses contra a presença do estudante de
Direito, Àtila Brandão, infiltrado na Universidade como espião dos órgãos de
repressão.
Estes fatos estão detalhadamente
descritos no livro do advogado Rui Patterson intitulado “Quem samba fica:
memórias de um ex-guerrilheiro”, lançado publicamente em Salvador, em 2011. À
página 82, o advogado e ex-preso político Patterson escreveu:
"Anos
depois de sair da prisão minha atividade profissional levou-me a manter contato
com o ex-oficial da PM Átila Brandão, violento repressor de estudantes e
ativistas políticos em Salvador nos anos de chumbo, pastor protestante,
político e candidato derrotado a governador, que me explicou o funcionamento da
rede de informações da repressão no interior da Bahia, composta por oficiais da
PM e das Forças Armadas, da ativa e da reserva, fazendeiros, comerciantes,
padres, pastores e todos que se identificassem com a ditadura. A rede era capaz
de registrar em questão de minutos qualquer tipo de manifestação oposicionista
e informar a quem de direito. Os principais apoiadores eram os radioamadores,
segundo o pastor Átila".
O ex-oficial da Polícia Militar enriqueceu-se com a multiplicação de
igrejas evangélicas denominadas Batista. A sucursal do bairro Itaigara, situada
atrás da sede da Petrobras, numa rua sem saída, transformou-se numa “Faculdade
de Teologia” que inferniza a vida dos moradores, muitas vezes impedidos de
terem acesso aos próprios prédios residenciais. Influente na Prefeitura
Municipal de Salvador, o pastor Atila Brandão mantém seu negócio intocável,
apesar do caos no trânsito local. Atualmente, ocupa lugar de destaque na
administração do prefeito ACM Neto (DEM), que recebeu seu apoio.
O ex-oficial da PM, Atila Brandão, não ousando processar o advogado Rui
Patterson, não ousando processar o ex-militante torturado Renato Afonso, elegeu
como bode expiatório o jornalista Emiliano José, entrando com queixa-crime
contra o jornalista e o jornalismo. É que o torturador do passado tem um enorme
dilema. O ladrão pode dizer que roubou e se arrependeu, o corrupto pode dizer
que corrompeu e se arrependeu, até o assassino pode dizer que matou e se
arrependeu, mas o torturador não pode admitir que torturou, porque o crime de tortura
é imprescritível, não pode ser anistiado. Restou-lhe o caminho de uma ação
penal que não pode prosperar diante de tantas contradições e diante de tantos
documentos do próprio Serviço Nacional de Investigação (SNI), já em mãos do
Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia.
Nosso repúdio ao ataque à liberdade de imprensa,
nossa solidariedade ao jornalista Emiliano José da Silva Filho.
Geraldo
Simões
Deputado
federal (PT-BA)
Câmara
dos Deputados
14
de maio de 2013