26 de fevereiro de 2013
Política e democracia
Cláudio Carvalho, psicanalista, professor de história e filosofia, publicou o artigo "Política e democracia" no jornal A Tarde:
Política e democracia
Com o fim do poder político-teológico, o mundo ocidental
inclinou-se na direção de novas formas de organização social e política não
mais baseadas numa verticalidade do poder, mas, sim, na horizontalidade
política.
Se para o mundo pré-moderno os laços de sangue e o lugar
de nascimento cimentavam a ordem social, com o advento da modernidade, a
liberdade individual e a passagem de súdito a cidadão promoveram um empuxo à participação
dos indivíduos na atividade política da polis.
Democracia foi a palavra a condensar os anseios por uma
maior participação dos indivíduos nas decisões coletivas antes as questões
sociais emergentes em mundo mais complexo. A erosão do poder piramidal aumentou
a responsabilidade e a angústia dos sujeitos confrontados a cada manhã com
questões antes adormecidas pela transferência de um suposto
saber a um poder transcendente, encarnado na figura do rei ou do papa, a ocupar
esse lugar de exceção no exercício do poder soberano.
Essa dispersão do poder teve início com a modernidade e
continua em curso em nossa época, num movimento descontínuo, a nos interrogar.
Se nos desembaraçamos do poder soberano, fundamentado na
ficção político-teológica, não podemos nos desvencilhar desse espaço terceiro,
a casa vazia, do lugar de exceção.
Mas a quem cabe, hoje, habitar este vazio?
Como podemos reconhecer a legitimidade do poder numa
sociedade configurada em rede, horizontalmente e assentada sob o princípio da
igualdade?
Penso que essa resposta só pode estar do lado do
exercício da política e do trabalho infinito de aprofundamento e consolidação
da democracia – única forma de governo a levar em consideração o lugar de exceção como vazio, não
pertencente a ninguém em particular, por estar sujeito à renovação periódica
através do confronto de idéias e projetos assumidos na cena política.
Em tempos onde a pauta monocórdia da corrupção predomina nos
noticiários políticos, onde a proposta de criação de siglas partidárias
anódinas é marcada pela indigência ideológica, urge assumir a política como
caminho para defender e consolidar a democracia.
(Publicado originalmente em A Tarde (26/02/2013) Página A3 – Opinião).