13 de novembro de 2012
Sentença contra Dirceu representa agressão contra o PT, a esquerda e a Constituição
Por Breno Altman, especial para o 247
O ministro Joaquim
Barbosa, relator da Ação Penal 470, praticamente concluiu sua tarefa como
relator, às vésperas de assumir a presidência do STF, com um burlesco golpe de
mão. Aparentemente para permitir que Ayres Britto pudesse votar na dosimetria
dos dirigentes petistas, subverteu a ordem do dia e antecipou decisão sobre
José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares. Apenas a voz de Ricardo Lewandovski
se fez ouvir, em protesto à enésima manobra de um julgamento marcado por
arbitrariedades e atropelos.
Talvez em nenhum outro momento de nossa
história, ao menos em períodos democráticos, o país se viu enredado em tamanha
fraude jurídica. Do começo ao fim do processo, o que se viu foi uma sucessão de
atos que violaram direitos constitucionais e a própria jurisprudência do
tribunal. A maioria dos ministros, por opção ideológica ou mera covardia,
rendeu-se à sentença prescrita pelo baronato midiático desde que veio à tona o
chamado “mensalão”.
Os arroubos de Roberto Jefferson,
logo abraçados pela imprensa tradicional e parte do sistema judiciário,
serviram de pretexto para ofensiva contra o governo Lula, o Partido dos
Trabalhadores e a esquerda. José Dirceu e seus companheiros não foram julgados
por seus eventuais malfeitos, mas porque representam a geração histórica da
resistência à ditadura, da ascensão política dos pobres e da conquista do
governo pelo campo progressista.
Derrotadas nas urnas, mas ainda
mantendo sob seu controle os poderes fáticos da república, as elites
transitaram da disputa político-eleitoral para a criminalização do projeto
liderado pelos petistas. Com a mesma desfaçatez de quando procuravam os
quartéis, dessa vez recorreram às cortes. Agora, como antes, articuladas por um
enorme aparato de comunicação cujo monopólio é exercido por umas poucas
famílias.
O STF, nessas circunstâncias,
resolveu trilhar o caminho de suas piores tradições. Seus integrantes,
majoritariamente, alinharam-se aos exemplos fornecidos pela extradição de Olga
Benário para a Alemanha nazista, pela cassação do registro
comunista em 1945 e pelo reconhecimento do golpe militar de 1964. Como nesses
outros casos, rasgaram a Constituição para servir ao ódio de classe contra
forças que, mesmo timidamente, ameaçam o jugo secular das oligarquias pátrias.
Garantias internacionais, como a
possibilidade do duplo grau de jurisdição, foram desconsideradas desde o
primeiro instante. Provas e testemunhos a favor dos réus terminaram desprezados
em abundância e sem pudor, enquanto simples indícios ou ilações eram tratados
como inapeláveis elementos comprobatórios. Uma teoria presidiu o julgamento, a
do domínio funcional dos fatos, aplicada ao gosto do objetivo inquisitorial. Através
dessa doutrina, réus poderiam ser condenados pelo papel que exerciam, sem que
estivesse cabalmente demonstrados ação ou mando.
O que interessava, afinal, era forjar
a narrativa de que o PT e o governo construíram maioria parlamentar através da
compra de votos e do desvio de dinheiro
público, sob a responsabilidade direta de seus mais graduados líderes. As
contra-provas que rechaçam supostos fatos criminosos e sua autoria, fartamente
apresentadas pela defesa, simplesmente foram ignoradas em um julgamento por
encomenda.
Enganam-se aqueles que apostam em
qualificar este processo como um problema de militantes petistas, quem sabe,
injustamente condenados. José Dirceu e seus pares não foram sentenciados como
indivíduos, mas porque expressavam a fórmula para colocar o PT e o presidente
Lula no banco dos réus. Os discursos dos ministros Marco Aurélio de Mello,
Ayres Britto e Celso de Melo não deixam dúvida disso. Não hesitaram em pisar na
própria Constituição para cumprir seu objetivo.
Mesmo que eleitoralmente o
procedimento venha se revelando relativamente frágil frente ao apoio popular às
mudanças iniciadas em 2003, não podem ser subestimados seus efeitos. As forças
conservadoras fizeram, dessa ação penal, plataforma estratégica para desgastar
a autoridade do PT, fortalecer o poder judiciário perante as instituições
conformadas pela soberania popular e relegitimar a função da velha mídia como
procuradora moral da nação.
O silêncio diante desta agressão facilitaria as
intenções de seus operadores, que se movimentam para manter sob sua hegemonia
casamatas fundamentais do Estado e da sociedade. Reagir à decisão da corte
suprema, porém, não é apenas ou principalmente questão de solidariedade a réus
apenados de maneira injusta. A capacidade e a disposição de enfrentar essa
pantomima jurídica poderão ser essenciais para o PT e a esquerda avançarem em
seu projeto histórico.
Breno Altman é diretor do site Opera Mundi e da revista Samuel.