8 de agosto de 2008

 

A Universidade Nova na Bahia

Como fazer a universidade pública politicamente responsável, socialmente inclusiva e reafirmar a excelência acadêmica?

O revolucionário reitor da Universidade Federal da Bahia, Naomar de Almeida Filho, responde à pergunta em artigo publicado na Folha de S. Paulo (08/08/2008)na página Opinião A3.

Segue o texto na ÍNTEGRA:

A CRISE da universidade pública brasileira continua, latente. O maior desafio de sua história persiste, resumido nesta cadeia de impasses: como fazê-la politicamente responsável, socialmente inclusiva e, ao mesmo tempo, reafirmar a excelência acadêmica que a define como instituição plena de autonomia e criatividade? Como fomentar eficiência e economicidade pertinentes à gestão pública e, ao fazê-lo, incutir valores do "zeitgeist" contemporâneo?

A solução desses dilemas não pode mais ser adiada. Não cabe sustentar a torre de marfim na conjuntura atual, nesta era de mundialização, aquecimento global, realidade virtual, movimentos sociais expandidos e democracia em tempo real.
Precisamos ser criativos para descobrir saídas e responsáveis para concretizar transformações.

Na UFBA (Universidade Federal da Bahia), alcançamos um primeiro sucesso ao implantar o programa de ações afirmativas em 2004. Avaliações demonstram que não houve decréscimo no nível dos alunos e na qualidade da formação.
Decidimos então aprofundar a transformação. Concebemos um modelo de arquitetura curricular que ganhou o nome de Universidade Nova.

Trata-se de uma estrutura modular, flexível e progressiva. Mobilidade intra e interinstitucional, regime de ciclos de formação, compatível com o modelo europeu de Bolonha e o "college" norte-americano. Incorpora o bacharelado interdisciplinar (BI) em grandes áreas do conhecimento: humanidades, artes, ciências e tecnologias, saúde. Esse modelo foi aprovado por nosso Conselho Acadêmico, sem votos contrários.
O Reuni viabilizou nossos projetos de ampliação e renovação. Com apoio do MEC, cresceremos 83% em quatro anos. Projetamos 42 mil matrículas em 2012, em cerca de 180 cursos de graduação e pós-graduação. Nos próximos anos, vamos contratar 1.500 novos servidores docentes e técnicos.

Serão implantadas estruturas compartilhadas de formação, como arenas multiuso, pavilhões de laboratórios, auditórios modulados, centro de idiomas e outros.
Para atender à nova realidade, nosso Consuni aprovou por unanimidade o Plano Diretor Físico-Ambiental da UFBA, dentro do conceito de campus ecossustentável, ao qual o acesso deverá ser feito a pé ou por meio de "biobus" e bicicletas.

Com isso tudo, além de reculturalizar a formação universitária, queremos superar práticas pedagógicas passivas e ineficientes.

Essa luta não será fácil. Em um livro revolucionário intitulado "Por uma Geografia Nova", Milton Santos escreveu: "O apego às velhas idéias parece uma enfermidade incurável.

(...) Caímos naquele defeito de considerar velhas formas de pensar como inevitáveis. Ao invés de perseguir um saber novo, preferimos deliciar-nos com a reprodução do saber velho. (...) O novo é, de certa forma, o desconhecido e só pode ser conceitualizado com imaginação, e não com certezas".

Gilberto Gil também nos provoca a reflexão. Sua canção diz: A Novidade "veio dar à praia / Na qualidade rara de sereia / Metade, o busto de uma deusa maia / Metade, um grande rabo de baleia / A novidade era o máximo / Do paradoxo estendido na areia / Alguns a desejar seus beijos de deusa / Outros a desejar seu rabo pra ceia".
Mas, num "mundo tão desigual (...) de um lado este carnaval / Do outro a fome total / E a novidade que seria um sonho / O milagre risonho da sereia / Virava um pesadelo tão medonho / Ali naquela praia, ali na areia / A novidade era a guerra / Entre o feliz poeta e o esfomeado / Estraçalhando uma sereia bonita / Despedaçando o sonho pra cada lado".

Vale aqui parodiar o poeta, compreendendo sua sensível advertência: a universidade tem a qualidade rara de sereia, criatura de enigmas e sonhos, traz o máximo do paradoxo, desperta desejos e fomes, milagre risonho, não pode ser despedaçada por guerras entre poetas e famintos.

Compartilhamos o projeto político do sábio geógrafo baiano: o novo não pode ser um fim em si mesmo, a novidade tem que ter sentido social e histórico, para banir a fome total, transformando este mundo tão desigual.

Por isso, nosso projeto de mudança quer, sem preconceitos e com imaginação, tornar a universidade uma instituição radicalmente pública, de fato popular. Eis a questão crucial: popularizar sem vulgarizar, pactuar famintos e poetas, pagar a dívida social da educação brasileira sem estraçalhar nosso sonho de universidade.

Aproveito para concluir com um convite: docentes e pesquisadores que desafiam as velhas formas de pensar, venham construir conosco a Universidade Nova na Bahia.

NAOMAR DE ALMEIDA FILHO, 55, doutor em epidemiologia, pesquisador do CNPq, é professor titular do Instituto de Saúde Coletiva e reitor da UFBA (Universidade Federal da Bahia).

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