9 de junho de 2007

 

E a concessão da Rede Globo, quando acaba?

A mídia estrebuchou, o Senado se apequenou, jornalistas medíocres alugaram-se para os donos de TV, rádios e jornais. O caso da não renovação da concessão da golpista RCTV da Venezuela gerou muito alarde. O site ùltima Instância nos lembra entretanto que o que interessa mesmo é debater o caso brasileiro da privatização, ou melhor, da apropriação privada dos canais de rádio e TV. Afinal, quando vai acabar a concessão da Rede Globo? Antes de criticar Chávez, nosso Congresso papagaio deveria olhar para o próprio rabo.

LEIA ARTIGO INSTIGANTE DE PEDRO SERRANO:

A Venezuela e nossas concessões de rádio e TV

Fonte: Site Última Instância
http://ultimainstancia.uol.com.br/

Pedro Estevam Serrano

Foi muito alardeado pela mídia a não renovação da concessão da RCTV pelo presidente Hugo Chávez, com repercussões inclusive no âmbito de nosso Legislativo, carreando rusgas nas relações do Brasil com a Venezuela.

Não vamos aqui debater se agiu ou não o presidente Chávez de forma adequada na referida não-renovação, nada obstante seja de estranhar tanta reação contrária a um ato legítimo de um país soberano e adotado a partir de decisão jurisdicional.

O que nos interessa aqui é que o tema venezuelano, a nosso ver, põe a lume a questão das respectivas concessões no Brasil, com a necessidade imperiosa, em favor de valores republicanos e democráticos de organização dos serviços estatais e da convivência social, da aprovação de emendas constitucionais com vistas à modificação do regime jurídico de nossas concessões de radiodifusão por som e por som e imagem (TV), pois se trata o modelo vigente de apropriação privada indevida e antiética de serviços públicos.

Como é cediço, as concessões de serviço público se caracterizam como contratos administrativos pelos quais o Estado transfere à iniciativa privada a execução dos referidos serviços, mantendo, contudo, sua titularidade. O concessionário é assim mero executor de um serviço cujo “dono” permanece sendo o Estado.

Em tais contratos vige regime jurídico absolutamente diverso das condições usuais nos contratos privados, razão pela qual doutrina e jurisprudência centenárias alcunham tal regime especial de “cláusulas exorbitantes”, por suas diferenças do regime contratual privado comum.

Esta natureza exorbitante se realiza por conta de uma das partes dos contratos de concessão —o Estado-administração— representar o interesse coletivo enquanto o particular concessionário representa apenas seu interesse individual.

Por razões óbvias, nossa ordem jurídica privilegia o interesse coletivo representado pelo Estado, outorgando-lhe prerrogativas de autoridade no âmbito contratual, incidentes sobre a permanência da avença e sobre a estabilidade de suas cláusulas de serviço, só permanecendo intangível pela administração as condições relativas ao equilíbrio financeiro da avença.

Assim, tais contratos podem ser extintos a qualquer tempo por ato unilateral da administração, com ou sem culpa do concessionário, sendo certo que se não ocorrente referida culpa o concessionário será indenizado pelos danos que sofreu e pelas perdas decorrentes dos lucros cessantes.

Ocorre neste aspecto um instituto semelhante ao da desapropriação, ou seja, todos estamos sujeitos a ver direitos nossos adquiridos compulsoriamente pelo Estado quando necessário a realização do interesse público.

Não haveria o concessionário de dispor de um direito individual privado intangível de apropriação compulsória pelo Estado quando necessário ao interesse coletivo. Teríamos em contrário, a absurda hipótese de um direito individual superior aos interesses coletivos, absoluto, intangível e ilimitado.

De qualquer modo, em momento algum, salvo raras hipóteses penais, nossa ordem constitucional confere ao Estado poder de confisco, de se apropriar compulsoriamente de direitos privados sem justa indenização. A propriedade privada como direito é preservada pela indenização, tanto na desapropriação propriamente dita, como nas extinções unilaterais de contratos administrativos.

No que respeita às avenças de concessão, estes são mecanismos clássicos, construídos por antigas decisões do Conselho de Estado Francês (corte suprema daquele país em questões administrativas), que preservam uma relação de equilíbrio entre o direito individual de propriedade e o interesse público de realização dos serviços e atividades públicas.

Preserva-se, assim, no âmbito das avenças administrativas, os valores republicanos e democráticos que devem orientar nossa vida como nação, sociedade e Estado.

Mesmo com as reformas e “privatizações” promovidas pelo governo FHC, o eixo central deste regime permaneceu em relação às concessões de serviço público em geral.

Apenas um ambiente das atividades públicas põe-se como exceção a este regime jurídico, em razão de dispositivos discretamente aprovados pela Constituinte de 1988: as concessões de rádio e TV!

Provavelmente por uma conjunção de lobby de empresas de telecomunicações agregado ao fato de que muitos constituintes eram proprietários diretos ou indiretos de empresas de rádio e/ou TV, o artigo 223 de nossa Carta magna estabelece regime de concessão de serviço público absolutamente diverso dos demais serviços públicos concedidos no que tange aos aludidos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens (rádio e TV).

As concessões de rádio e TV, por força do parágrafo 4º do aludido dispositivo constitucional, só podem ser extintas, antes de vencido seu prazo, por decisão judicial, enquanto todas as demais concessões públicas podem sê-lo por decisão administrativa.

Mas o pior: por força do parágrafo 2º do artigo 223 as concessões de rádio e TV são quase de renovação automática, contratos eternos e intangíveis, pois só há hipótese de sua não renovação com aprovação de dois quintos do congresso nacional em votação nominal.

Se os então constituintes —muitos ainda congressistas— tivessem observado valores republicanos em sua decisão, haveriam de estipular para a renovação da concessão de rádio ou TV o mesmo que estipularam para a renovação de qualquer outro contrato público com particular: a necessidade de fazê-lo por licitação aberta a todos os interessados, em observância ao princípio da isonomia que emana da forma republicana de gestão estatal.

Ao estipular a renovação automática das concessões de rádio ou TV, nossa Constituição acaba por estabelecer mecanismo evidente de apropriação privada de serviço público. De um direito contratual público, que careceria ser renovado periodicamente por licitação pública, passamos a ter um direito contratual atípico, que independe de licitação para sua renovação e que só pode deixar de ser realizada por votação nominal de dois quintos do Congresso.

Estabeleceu-se aí inegável imoralidade no âmbito de nossa Carta Magna, uma nódoa em nossa Constituição cidadã. Concessões de serviço público se transformaram em capitanias hereditárias de famílias notórias ou de políticos.

Tal situação nada tem de republicana, remetendo à forma como a aristocracia do Estado Imperial se apropriava privadamente dos bens e serviços públicos.

Assim é de se estranhar que o Congresso Nacional aprove moção contra a não renovação de concessão de TV venezuelana —por decisão do Judiciário daquele país— e, ao mesmo tempo, deixe de adotar medidas que são de sua competência, com vistas à alteração de nossa Constituição e ao restabelecimento em seus dispositivos relativos às telecomunicações dos valores republicanos e isonômicos que deveriam informá-los.

Talvez nossos congressistas não tenham ânimo a tanto por muitos deles serem donos diretos ou indiretos de empresas concessionárias dos referidos serviços. Legislar contra os próprios interesses econômicos e empresarias é algo inimaginável nessas plagas, mesmo que isso se faça necessário para o restabelecimento de um mínimo de ética no âmbito de tão relevantes concessões.

Antes de criticar a Venezuela, nossos congressistas deveriam agir como recomenda a sabedoria cabocla, “olhando para o próprio rabo”!

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