13 de julho de 2013
Ditadura militar está entranhada no passado e presente das pessoas
Dia 11 de julho de 2013 eu estava na Livraria Cultura do
Shopping Salvador. Participava como tantas centenas de pessoas do lançamento do
livro Galeria F – Lembranças do Mar Cinzento. Golpe. Tortura. Verdade, do amigo
de longas datas Emiliano José e parceiro de antigas lutas. Passadas algumas
décadas, as pessoas conscientes, politizadas, ou não, continuam em busca da
verdade nua e crua da ditadura militar. Essa memória já está entranhada na
cultura do brasileiro e quanto mais tardarem as revelações, mais indignação vai
causando na sociedade.
Um exemplo é a Revista da Cultura, edição de julho, distribuída
gratuitamente na Livraria Cultura. Peguei um exemplar e me decidi a ler sobre
outros assuntos, enquanto esperava o público chegar ao lançamento. “Especial
Memória” avisava o editor em letras garrafais na capa. Estava atrás de uma
leitura mais amena e fui surpreendido por nada menos que dez referências à
ditadura militar.
A entrevista principal foi com a cantora Elza Soares, diva
da música popular brasileira, eleita pela BBC de Londres como Best Singer of
the Millenium – a melhor cantora do milênio. Ex-lavadeira, ex-funcionária de
uma fábrica de sabão, viúva de Mané Garrincha, a primeira mulher a puxar um
samba na avenida, substituta de Ella Fitzgerald num show em Roma, abre o jogo
do alto de seus 76 anos. Em 1970, no auge da ditadura militar, foi expulsa do
Brasil e foi embora para a Itália. Como poderia eu imaginar? Imperdível a
entrevista. Ela agradece a força que Caetano Veloso deu a ela - outro exilado
da ditadura nos anos 70.
Passo a página e leio: “Brilho eterno de um cinema de
lembranças”. Há referências ao filme de Lúcia Murat “A memória que me contam”. Ela retorna ao
tempo da ditadura, quando foi presa e torturada “experiência que expiou em
parte no documentário “Que bom te ver viva” (1989) e depois no drama em dois
tempos “Quase Dois Irmãos” (2004). São memórias de amigos ex-militantes sobre
os dias de chumbo. Há referências também sobre o cineasta Bruno Barreto e seu
filme “O que é isso, companheiro?”.
Tudo leva à memória da ditadura, como uma necessidade. Leio
sobre Cláudio Bezerra, pesquisador da Universidade Católica de Pernambuco.
Conheceu a história de Alexina Crespo, que foi esposa do líder das Ligas Camponesas,
deputado federal Francisco Julião, um dos maiores líderes da luta pela reforma
agrária do Brasil. Surgiu então o filme “Alexina – Memórias de um exílio”,
abordando o longo exílio de Alexina, no Chile, em Cuba, na Suécia, suas visitas
a Fidel Castro, Che Guevara e Mao Tsé Tung, documentadas em fotos.
Passo a página, vejo uma reportagem sobre os hippies dos
anos 60 e 70. Lá vem a ditadura, de novo. Pinky Wainer, artista plástica e
designer, hippie da Aldeia de Arembepe aos 16 anos, fala de seu primeiro
contato com a contracultura: vivia na França, com seu pai, o jornalista e
exilado da ditadura militar Samuel Wainer, o lendário editor da “Última Hora”.
Edjalma Dias, outro entrevistado, depõe que
aderiu ao movimento hippie depois que saiu da prisão do DOI-CODI, em São
Paulo, onde passou dois meses pela participação no movimento estudantil.
Passo a página. Leio a reportagem “Graciliano, o que se vê?”
estudos de três fotógrafos sobre o homenageado na FLIP 2013. Há fotos de
Vazantes (CE), Bauru (SP) e...Ilha Grande, prisão que deu origem à obra
“Memórias do Cárcere”. Para o fotógrafo uma emoção encontrar vestígios nas
parede das ruínas do presídio sem saber se são de 1940, 1963, 1978. Podem ter
sido registros de presos da ditadura de 1964.
Passo a página, em busca de leitura amena. E dou de testa
com “A paixão segundo Vinicius”. Ele mesmo, o poetinha que era diplomata de
carreira, afastado do Itamaraty em 1968, pelo AI-5. Por ironia da história,
estava eu folheando a revista no lançamento do livro de memórias da ditadura,
de Emiliano José, que foi o relator da lei na Câmara Federal, que devolveu post
mortem o título de diplomata a Vinicius de Moraes . A lembrança da ditadura é
como um círculo, roda, roda e retorna.
Passo a página. Então leio a matéria “A omissão da Verdade”,
um texto crítico de Flávio Tavares, combatente preso, torturado, exilado e com
uma pergunta: “por que continuamos a ocultar o terror implantado a partir do
golpe militar de 1964?”, por que o medo à verdade? Flávio Tavares escreveu três
livros importantes: “Memórias do esquecimento”, sobre sua experiência pessoal, “O
dia em que Getúlio matou Allende” e “1961 – O golpe derrotado”.
Pedro Hers, o editor da Revista da Cultura, em seu
Editorial, bem que avisou: “a conclusão de que temos toda a capacidade para
construir um lugar melhor passa pelo tema da edição, a memória”. E cita uma
piada corrente: “agora que o gigante acordou, ele precisa estudar história”. E
finaliza: “É verdade, precisamos conhecer o passado para aprender com ele e não
repetir os mesmo erros”. A revista publica ainda a matéria “Confúcio sabia das
coisas”. Filosofia oriental. Jézio Hernani Bomfim Gutierre, do Instituto
Confúcio, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) destaca uma máxima:
“aqueles que não aprenderam com o passado estão condená-los a repeti-lo no
presente”.