27 de março de 2013
Saudades eternas, padre Renzo
Por Emiliano José*
Publicado no jornal A Tarde
Em 1965, desembarca no Brasil, disposto a encarar as dificuldades dos povos da periferia. Abandonou os confortos do Primeiro Mundo e o fausto da Igreja Católica de Florença para se embrenhar ali pelo território da Fazenda Grande, São Caetano, Bom Juá, Fonte do Capim, em Salvador, onde, então, a miséria era extrema. Missionário, ali pela metade dos anos 70, mergulha na solidariedade aos presos políticos de todo o Brasil. Conhece o terror da ditadura.
Aprofundou o seu cristianismo, mas era outro homem, muito mais aberto a outras visões de mundo. Compreende que homens e mulheres com convicções diferentes das dele podiam dedicar-se aos mesmos ideais de tornar o mundo melhor para todos, e às vezes, como ele mesmo admitia, até com mais dedicação do que muitos cristãos. A tristeza que sentimos hoje não nos abandonará tão cedo.
Publicado no jornal A Tarde
Estava de malas prontas.
Iria a Florença para mostrar a Renzo o documentário que fizemos
sobre ele. Iríamos – junto comigo, estariam Jorge Felippi, parceiro
essencial dessa empreitada, e Bruno, também um entusiasmado participante
do filme. Apressamos tudo, conscientes da gravidade do estado de saúde dele.
Não deu tempo. Morreu às 6 horas de hoje, horário de Florença, aos 87 anos.
O poeta Pedro Tierra que,
como eu, sentiu os rigores dos cárceres da ditadura e também foi beneficiado
pela solidariedade dele , disse hoje que “o anjo de asas invisíveis regressa à
matéria do mundo para oferecer a ele a luz de sua alegria”.
Sem favor nenhum, Renzo
foi um homem especial. Absorveu do cristianismo tudo que ele tem de bom.
Sacerdote desde 1949, logo cedo aproximou-se dos operários fiorentinos, a
maioria dos quais comunista. Foi ali que se deu o que chamava sua primeira
conversão, ao conhecer um universo diferente, que no primeiro momento não o
queria por perto. Ele conquistou os trabalhadores, e foi por eles conquistado.
Em 1965, desembarca no Brasil, disposto a encarar as dificuldades dos povos da periferia. Abandonou os confortos do Primeiro Mundo e o fausto da Igreja Católica de Florença para se embrenhar ali pelo território da Fazenda Grande, São Caetano, Bom Juá, Fonte do Capim, em Salvador, onde, então, a miséria era extrema. Missionário, ali pela metade dos anos 70, mergulha na solidariedade aos presos políticos de todo o Brasil. Conhece o terror da ditadura.
Desenvolve uma pastoral de
fronteira, como o chama frei Betto, ao prefaciar o livro que fiz sobre ele.
Visita todos os presídios políticos do Brasil. Nunca pretendeu converter ninguém,
outra vez defrontando-se com uma maioria de materialistas. Impressionou-se com
as noções de justiça dos presos políticos, com a capacidade deles de manter
acesa a esperança nas duras condições das prisões, e isso depois de terem
sempre enfrentado torturas brutais. Experimenta, então, a sua segunda e mais
importante conversão.
Aprofundou o seu cristianismo, mas era outro homem, muito mais aberto a outras visões de mundo. Compreende que homens e mulheres com convicções diferentes das dele podiam dedicar-se aos mesmos ideais de tornar o mundo melhor para todos, e às vezes, como ele mesmo admitia, até com mais dedicação do que muitos cristãos. A tristeza que sentimos hoje não nos abandonará tão cedo.
Temos certeza de que a
vida dele constitui um exemplo para a humanidade. Exemplo de amor e coragem, de
dedicação aos mais pobres e a todos os perseguidos do mundo, a exemplo do
Cristo no qual se espelhava. Os que combateram a ditadura nunca se esquecerão
dele, tenho certeza disso. Saudades eternas, querido Padre Renzo.
*jornalista e escritor, ex-preso político, ex-deputado federal (PT-BA), autor de As
asas invisíveis do padre Renzo.