1 de janeiro de 2012

 

TEMPO DE RECOMEÇAR


Todos os anos ao se aproximar o período das confraternizações de fim de ano uma cantilena ensopada em nostalgia é entoada por muitas pessoas lamentando a perda de um “espírito de solidariedade” esquecido na aurora dos tempos. A imprecisão cronológica do diagnóstico não dispensa um repertório de causas prováveis a desfilar como explicações para essa desaparição do “real” significado dessa época do ano. Da crise da família e dos valores (!), passando por um complô do Papai Noel com a Coca-Cola para nos tornar obesos, acabamos quase sempre encalhados no consumismo e no individualismo como expressões maiores da nossa degenerescência a nos empurrar para o fim dos tempos.

Não consigo pensar numa crise da família se dissolvendo pela ausência de valores, nem no individualismo e no consumo como índices da nossa decadência; muito menos na participação do Papai Noel num complô – para mim ele será sempre o bom velhinho a representar a promessa de uma esperança renovada.

Quando pequeno, os presentes solicitados nem sempre chegavam e a explicação que meus pais davam era a de que o Papai Noel precisava dar presentes a muitas crianças e era difícil atender a todas as solicitações, empurrando para o ano prestes a despontar na esquina a esperança de que no futuro nossos pedidos fossem atendidos.

Um espírito se define por sua imaterialidade; se pensarmos a tradição da troca de presentes encerrada no valor das mercadorias podemos esquecer um significado oculto nessa prática de um dom que marca a presença de algo comum a todos nós: a nossa condição humana em sua finitude. Já escutei de um amigo especial que nessas festas sempre falta alguém. Dar presentes pode ser uma bela forma de con-fraternizar, compartilhando essa falta que concerne a todos nós por estarmos sempre acompanhados pela lembrança dos que partiram para nunca mais voltar ou daqueles que estão distantes.

Numa pequena cidade do interior nordestino o dono de um magazine teve uma ideia para alavancar as suas vendas de fim de ano. Ele colocou uma urna para as crianças depositarem os seus pedidos para o Papai Noel; desta forma, o astuto comerciante saberia de antemão quais as mercadorias mais cobiçadas e poderia organizar o seu estoque com mais precisão. Para surpresa do dono da loja os pedidos foram muitos e não se limitaram aos brinquedos.

Mas, foi a cartinha de um garoto de 10 anos de idade a alumiar o espírito de solidariedade: o menino pedia uma “medusa óssea” (sic) para sua mãe, em tratamento de uma doença grave na capital (atribuída a etiologia por ele ao cansaço, por se chamar essa doença “canser”) e a “única forma de sarar seria ganhar uma medusa óssea, novinha em folha, que a da mamãe está cansada”. Comovido, o comerciante fez uma campanha em sua cidade e na vizinhança. O alcance da campanha foi restrito e a ampulheta do tempo para os “cansados” corre num ritmo diferente do nosso. Talvez pela distância, ou por não ter encontrado a tal da “medusa” o bom velhinho não pôde atender a tempo o pedido do garoto, mas na cidade, todo mundo sabe hoje que todos nós podemos ser um pouco Papai Noel, porque todos nós carregamos a possibilidade de doar medula óssea.

Ao contrário dos céticos, acredito no Natal e no Ano Novo como um tempo de recomeçar. E foi movido por uma questão individual, a doença da minha amiga Sara, que valorizei a importância de me cadastrar como doador de medula óssea no Hemoba ( tels: 071-3116-5661  071-3116-5661 e 3116-5662 – eles sempre precisam de doadores de sangue, também) e descobri a possibilidade de ajustar a ampulheta do tempo de muita gente com esse ato. Por isso, nesse Natal, pedi ao Papai Noel uma medula óssea para uma amiga baiana há milhares de quilômetros de distância; para que no Ano Novo possamos trocar, ainda que virtualmente, os votos de esperança e renovação na vida. Que o bom velhinho consiga uma medula compatível para que a ausência de minha amiga continue sendo a distância que nos separa há uma década e não a ação da ampulheta desajustada do tempo. Porque Sara tem que sarar.

CLÍNICA LUGAR
Claudio Carvalho - Psicanalista
Contatos: 3347-8777 / 8826-7447






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