8 de novembro de 2010

 

Eleição rejeitou udenismo moralista e potencialmente golpista

É tempo de reflexão sobre o significado das eleições presidenciais. Uma avaliação interessante é a do ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira. “Dois males afinal evitados” é o título de seu artigo publicado na Folha de S. Paulo e bastante reproduzido na blogosfera.

Segundo ele, a eleição presidencial rejeitou o udenismo moralista e potencialmente golpista e também a americanização do debate. Os candidatos não conseguiram desenvolver um debate em torno de programas, mas, os males giraram mesmo em torno do moralismo, uma marca do discurso da UDN, o partido que derrubou Getúlio Vargas em 1954. Não há nada mais antidemocrático do que esse tipo de prática.

Grave é a americanização da política com a contaminação religiosa. De repente, um candidato passa a ser amigo de Deus ou do Diabo, a depender da posição que toma a “favor da vida”. Um retrocesso de séculos. Um retorno à intolerância. Ainda bem que a democracia brasileira resistiu e rejeitou as ameaças, concluiu Bresser-Pereira.

LEIA NA ÍNTEGRA

Dois males afinal evitados

Luiz Carlos Bresser-Pereira

As eleições do último domingo foram livres e democráticas. Foram próprias de uma democracia consolidada, porque o Brasil conta com uma grande classe média de empresários e de profissionais e com uma classe trabalhadora que participa dos ganhos de produtividade.

Porque conta com um sistema constitucional-legal dotado de legitimidade e garantido por um Estado moderno, que é efetivo em garantir a lei e crescentemente eficiente em gerir os serviços sociais e científicos que permitem reduzir a sua desigualdade.

É verdade que os dois principais candidatos não conseguiram desenvolver um debate que oferecesse alternativas programáticas e ideológicas claras aos eleitores. Por isso, a grande maioria dos analistas os criticou. Creio que se equivocaram.

O debate não ocorreu porque a sociedade brasileira é hoje uma sociedade antes coesa do que dividida. Sem dúvida, a fratura entre os ricos e os pobres continua forte, como as pesquisas eleitorais demonstraram. Mas hoje a sociedade brasileira é suficientemente coesa para não permitir que candidatos com programas muito diferentes tenham possibilidades iguais de serem eleitos -o que é uma coisa boa.

Os dois males que de fato rondaram as eleições de 31 de outubro foram os males do udenismo moralista e potencialmente golpista e o da americanização do debate político.

Quando setores da sociedade e militantes partidários afirmaram que a candidata eleita representava uma ameaça para a democracia, para a Constituição e para a moralidade pública, estavam retomando uma prática política que caracterizou a UDN (União Democrática Nacional), o partido político moralista e golpista que derrubou Getulio Vargas em 1954.

Não há nada mais antipolítico ou antidemocrático do que esse tipo de argumento e de prática. As três acusações são gravíssimas; se fossem verdadeiras - e seus proponentes sempre acham que são - justificam o golpe de Estado preventivo. Felizmente a sociedade brasileira teve maturidade e rejeitou esse tipo de argumento.

Quanto ao mal da americanização da política, entendo por isso a mistura de religião com política em um país moderno.

Os Estados Unidos, que no final da Segunda Guerra Mundial eram o exemplo de democracia para todo mundo, experimentaram desde então decadência política e social que teve como uma de suas características a invasão da política por temas de base religiosa como a condenação do aborto.

De repente um candidato passa a ser amigo de Deus ou do diabo, dependendo de ser ele "a favor da vida" ou não. A separação entre a política e a religião - a secularização da política - foi um grande avanço democrático do século 19. Voltarmos a uni-las, um grande atraso, a volta à intolerância.

A sociedade brasileira resistiu bem às duas ameaças. E a democracia saiu incólume e reforçada das eleições.

Em seu discurso após a eleição, Dilma Rousseff reafirmou seu compromisso com os pobres, ao mesmo tempo em que se dispôs a realizar uma política de conciliação, não fazendo distinção entre vitoriosos e vencidos.

Estou seguro que será fiel a esse compromisso, como o foram os últimos presidentes. Nossa democracia o exige e permite.

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