8 de abril de 2008

 

Leituras esdrúxulas

Depois que abandonei o mau hábito de ler a revista Veja, venho obtendo ganhos incríveis com a procura de novas leituras. "Discutindo Língua Portuguesa", da Editora Escala Educacional, é um exemplo. A seção "Última Palavra", do número 10, publica um poema de Fernando Pessoa que encerra um trocadilho perceptível apenas para iniciados nos segredos do idioma.

LEIA O POEMA E DEPOIS O COMENTÁRIO

Poética Esdrúxula

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.


Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.


As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.


Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.


Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.


A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.


(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Em "Fernando Pessoa: Poesia Completa" (Nova Aguilar,1992).

VAMOS AO COMENTÁRIO

O adjetivo "esdrúxulo" significa "extravagante", "extraordinário", "fora do comum". Mas, quando usado no feminino (esdrúxula) ganha o sentido de palavra proparoxítona. Na gramática, esdrúxula é a palavra que tem o acento na antepenúltima sílaba, ou seja, é sinônimo de proparoxítona. A palavra ridícula, que aparece em todas as estrofes do poema Cartas de Amor é uma proparoxítona. No final do poema ele diz: todas as palavras esdrúxulas (proparoxítonas), como os sentimentos esdrúxulos (extravagantes), são naturalmente ridículas. É um poema esdrúxulo esse de Fernando Pessoa, que foi assinado pelo seu heterônimo Álvaro Campos..

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