14 de abril de 2007

 

A arte de confundir as coisas

Nosso velho e combativo companheiro de antigas lutas, João Carlos Teixeira Gomes, Joca para os amigos, escreveu para o jornal A Tarde (12/04/07) um artigo intitulado A Arte do Despudor, em que critica os contatos entre o presidente Lula e o senador eleito ACM. O anti-carlismo de Joca, de gloriosa memória, confunde o jornalista. Presidente da República não pode fazer política com o fígado, tem que conversar com todos os representantes eleitos pelo povo, por mais malfeitores que sejam. Isso não compromete a ética. Os ataques recíprocos entre os adversários não podem impedir o exercício do diálogo político, ou entramos na era da barbárie. Joca não entende as mudanças dos tempos. E pior, cita os nomes de Emiliano José e Waldir Pires, entre outros, para “fortalecer” seus argumentos moralistas, ou seria apenas uma saia justa?

SEGUE O ARTIGO NA ÍNTEGRA:

A arte do despudor

Se puder alterar a Carta, não tenho dúvidas de que Lula tentará um terceiro mandato. Pelo menos é o que indica a sua movimentação dos últimos tempos, sobretudo a partir da surpreendente visita que fez a Antonio Carlos Magalhães no Incor paulista, além das tentativas recentes de dialogar com Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati, tradicionais adversários do PT.

Mais do que a visita, em relação a Antonio Carlos, causaram perplexidade geral os rapapés que o presidente fez ao senador em palácio, a ponto de convidá-lo a ser o articulador do diálogo com a oposição.

Afinal, não só Lula como o próprio PT vinham sendo sistematicamente chamados de “ladrões” e “quadrilha de Ali Babá”, não só em violentos discursos no Senado e entrevistas à mídia, como nas páginas do jornal carlista em Salvador, que jamais deu tréguas ao presidente.

O espanto foi tão acentuado que até o jornal O Globo não vacilou em brindar a reaproximação com uma manchete irônica: “Lula recebe ACM no Planalto e o ‘rato’ e o ‘hamster’ trocam elogios”. O jornal logo explicou o título : “Há seis meses, em meio à campanha eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva o chamava de ‘hamster do Nordeste’. No mesmo tom, o senador Antonio Carlos Magalhães classificava o presidente de ‘um rato gordo e etílico, ladrão do dinheiro público’”. O Globo estranhava ainda o convite de Lula a Antonio Carlos para articular com os oposicionistas uma reunião em palácio. Na verdade, já não era um simples encontro de cortesia.

Parecia estar havendo autêntica confraternização entre íntimos.

O futuro dirá se as “núpcias reais”, como as classificou o advogado baiano Lourenço Carvalho ao avistar-se comigo aqui no Rio, são para durar, o que considero pouco provável.

Mas, de todo esse episódio, a sensação que fica entre os observadores é a de que há, realmente, dois universos morais bem distintos na vida dos homens. Um é o do cidadão comum, que repele a ofensa e os ofensores, pois ninguém admite ser agredido na sua dignidade. Chamar alguém de “ladrão etílico”, sem o respeito sequer à hierarquia dos cargos, não só é uma grosseria, como um ato de desrespeito público. O outro universo é o dos políticos, que hoje se ofendem mutuamente com a maior virulência, trocam acusações infamantes, e amanhã ou depois, movidos por suas ambições pessoais, passam a abraçar-se e beijar-se, para espanto da sociedade. O primeiro universo é o universo da ética e da decência moral. O segundo é o universo do oportunismo, regido não pela arte da reconciliação, mas sim pela arte do despudor.

É legítimo indagar das lideranças petistas, sobretudo na Bahia, o que acharam da insólita reaproximação, muito oportuna para o senador, politicamente no ostracismo, mas desastrosa para o presidente.

Afinal, a história do PT não é apenas uma construção de Lula. Na Bahia, durante anos sucessivos, comeu o pão que o diabo amassou, cozido nas fornalhas do carlismo, gente como Walter Pinheiro, Emiliano José, Waldir Pires, Pellegrino, Zezéu, Lídice da Mata, Roberto Santos, o próprio Jaques Wagner e tantos outros, numa lista imensa.

O que todos eles desejam, obviamente, é a dissolução definitiva do sistema de opressão que vigorou desde 64, atingindo de forma implacável os seus oponentes, não só políticos, mas também homens de pensamento livre, além de jornais e jornalistas.

Deram todos o melhor de si para libertar a Bahia, numa ação coesa com a sociedade que os elegeu. Soa, portanto, como um contra-senso o gesto palaciano de mão estendida do presidente, com efeitos políticos que não podem deixar de ser avaliados, sobretudo no interior da Bahia, onde o esquema do coronelismo vive à espreita para ressurgir.

Churchill, o “bulldog” da democracia, e Roosevelt, o idealista libertário, tiveram que se unir ao tirano Stálin para derrotar Hitler. Mas era uma época de guerra. Já Lacerda, deflagrador do golpe de 64, quis voltar atrás unindo-se às suas vítimas Jango e Juscelino, mas fracassou. Foi simples: ele não tinha condições morais para recompor uma situação que sua ambição conflagrou.

A sociedade brasileira repeliu a articulação dos contrários. Episódios assim deixam uma clara lição: o povo não apóia as manobras interesseiras da má política, pois tudo, na vida, deve estar sujeito ao universo da ética, e não à arte insidiosa do despudor.

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