21 de agosto de 2013
Comissão Baiana da Verdade toma posse e se compromete a elucidar crimes da ditadura militar
“Temos que reconhecer
também a grande contribuição do jornalista Emiliano Jose, que “escrevendo
história como quem faz romance” a cada produção das – “Lembranças do Mar
Cinzento”, descreve com fidelidade exemplar os tempos sombrios da ditadura
militar, do terrorismo praticado pelo Estado, da dor, do sofrimento heroico dos que conseguiram
resistir”.
Salvador,
20 de agosto de 2013
Srs
e Sras:
A
expectativa desse momento é perfeitamente justificável, considerando a demora
na instalação dessa Comissão Estadual da Verdade, o que vem sendo cobrado
constantemente pela imprensa local, refletindo certamente os anseios da
sociedade. A cobrança é legítima sim, dada à magnitude do seu mister, todavia
nada que não possa ser superado pelo empenho, dedicação e presteza dos membros
dessa Comissão, designados pelo Exmo. Sr. Governador do Estado.
Elegemos
nosso coordenador, um cidadão que tem sido um expoente máximo na defesa dos
direitos humanos, seja na sua longa trajetória na luta pela anistia, ou como
Presidente do “Grupo Tortura Nunca Mais”, ou ainda como coordenador do “Comitê
Baiano pela Verdade”. De formação acadêmica, profissional respeitado e que tem
colocado os interesses coletivos, acima dos pessoais, sempre. Estou lhes
falando do Prof. Joviniano Neto.
Para
a consecução dos objetivos para a qual foi criada, por decreto do Governo do
Estado e de acordo com seu artigo 6º, esta Comissão poderá atuar de forma
articulada e integrada com os demais órgãos públicos, especialmente com o
Ministério Público Estadual e Federal, as Universidades sediadas no Estado da
Bahia, o Grupo Tortura Nunca Mais-Ba, os arquivos Públicos Estadual e Nacional,
a Comissão Especial Memoriais Reveladas, a Comissão da Anistia Federal e a
Comissão Nacional da Verdade.
No
âmbito estadual provará essa Comissão sua eficácia, na medida em que estabeleça
parceria e articulação com a Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa, com
o Comitê da Verdade, com o Projeto Memórias Reveladas da Fundação Pedro Calmon,
Comissão da Verdade da OAB, UFBA, CUT, UNE (em fase de organização).
Imaginamos
que o êxito dessa nossa missão depende da metodologia a ser adotada nos
trabalhos e, para isso, contamos certamente com a experiência do nosso
coordenador bem como a competência e equilíbrio do Presidente da ABI,
especializado em Comunicação Social, o Sr. Walter Pinheiro, do empenho e
veemência jornalística de Carlos Navarro, da experiência jurídica e compromisso
social de Vera Leonelli, da disponibilidade, competência jurídica e capacidade
de síntese do Dr. Jackson Azevedo, do entusiasmo, compromisso político em defesa da cidadania e
leveza da ex-diretora da Escola de Dança da UFBA Dulce Lamego de Aquino, além
do nosso compromisso e grande desejo de contribuir e acertar. Cumpridas as suas
diversas etapas de trabalho, de certo teremos a nossa árdua tarefa concluída no
prazo determinado de dois anos.
A
nossa missão será facilitada também, dada a existência de um vasto acervo, com
publicações de toda a natureza, sobre esse período obscuro da história do nosso
país, culminando com produções literárias da melhor qualidade a exemplo da
série dos livros do escritor Hélio Gaspari – “As Ilusões Armadas”, fazendo a
reconstituição da história brasileira de março de 1964, quando é deposto o
Presidente João Goulart, a março de 1979, quando Ernesto Geisel entrega a faixa
presidencial a seu sucessor.
Temos
que reconhecer também a grande contribuição do jornalista Emiliano Jose, que
“escrevendo história como quem faz romance” a cada produção das – “Lembranças
do Mar Cinzento”, descreve com fidelidade exemplar os tempos sombrios da
ditadura militar, do terrorismo praticado pelo Estado, da dor, do sofrimento
heroico dos que conseguiram resistir.
Não
podemos omitir o papel relevante das igrejas, principalmente da Igreja Católica
Apostólica Romana, representadas pelo Cardeal D. Avelar Brandão Vilela, pelo
Abade de São Bento, D. Timóteo Amoroso, Anastácio, além do padre italiano Renzo
Rossi, que prestando sua solidariedade cristã amenizaram o sofrimento dos
perseguidos, encarcerados e suas famílias.
Nosso
compromisso com a Bahia é, sem dúvida, maior. Dos 426 brasileiros mortos ou
desaparecidos, 32 são baianos e dentre esses, 11 são jovens que tombaram na
“Guerrilha do Araguaia” numa tentativa política extrema, uma generosidade
tamanha daqueles que jogaram tudo, inclusive suas próprias vidas, na tentativa
de mudar o mundo, como nos relata em “Câmara Lenta” o escritor paraense Renato
Tapajós. E, falando de baianos, não poderia deixar de citar a figura de quem
nasceu para lutar pelo povo brasileiro, pela humanidade, considerado o “inimigo
nº 01 da ditadura militar”, que traiçoeiramente arrebatou-lhe a vida, ao
escurecer do dia 04 de novembro de 1969. Exilada em Berlim, a saudosa militante
comunista Ana Montenegro, cearense de nascimento, baiana de coração, ao tomar
conhecimento do assassinato de Carlos Marighella e das circunstâncias previsíveis do seu
sepultamento, no auge da angústia, distante, com o coração partido por Ele, por
quem alimentava uma admiração profunda e paixão política , escreveu:
Em
seu enterro não havia velas:
Como
acendê-las, sem a luz do dia?
Em
seu enterro não havia flores:
Onde
colhê-las nessa manhã fria?
Em
seu enterro não havia povo:
Como
encontrá-lo nessa rua vazia?
Em
seu enterro não havia gestos:
Parada
inerte a minha mão jazia.
Em
seu enterro não havia vozes:
Sob
censura estavam as salmodias
Mas
luz, e flor, e povo e canto,
Responderão
“presente” chegada
A
primavera mesmo que tardia!
Esse poema de Ana para Marighella, em
homenagem às suas memórias e à generosidade de ambos, queremos compartilhá-lo
com todos aqueles que foram sacrificados para que tivéssemos liberdade. Falando
ainda dos baianos, é imprescindível que essa Comissão da Verdade assuma o
compromisso de envidar todos os esforços, somando-se aos já existentes, no
sentido de elucidar o mistério que envolve as circunstâncias da morte do
Professor Anísio Teixeira.
Quando
nasceu minha primeira neta, seu avô estava encarcerado. Quando adolescente, num
misto de tristeza e curiosidade, indagava-me sobre essa coisa que aconteceu com
seu avô e como foi essa ditadura militar. É essa história do nosso país que não
pode ser negada aos jovens, nem contada entre paredes, prestes já a completar
50 anos.
Ela
deve ser escancarada valorizando o envolvimento da juventude nas escolas e nas
redes sociais, para que esta geração e as gerações futuras saibam que a
democracia e a liberdade no nosso país, foram conquistadas com a luta e o
sacrifício de tantos que foram martirizados.
Tomamos
agora um trecho orientador do “Direito à Memória e à Verdade” e citaremos: “A
história que não é transmitida de geração a geração, torna-se esquecida e
silenciada. O silêncio e o esquecimento das barbáries geram lacunas na
experiência coletiva de construção da identidade nacional. Resgatando a memória
e a verdade, o país adquire consciência superior sobre sua própria identidade,
a democracia se fortalece. As tentações totalitárias são neutralizadas e
crescem as possibilidades de erradicação definitiva de alguns resquícios
daquele período sombrio, como a tortura, por exemplo, ainda persistente no
cotidiano brasileiro”. Perfeito.
Comungamos
inteiramente com o pensamento do Vice Presidente do “Grupo Tortura Nunca Mais”
José Antônio de Carvalho, quando afirma
que “na busca pela verdade sobre o que ocorreu durante a ditadura militar
existe uma peça fundamental - a pressão da sociedade”. Essa sim, nos fará
avançar muito mais.
Essa
mobilização nacional já é um testemunho veemente de que haverá uma convergência
robustecida de esforços, solidariedade e cooperação de todos, respondendo
sempre presente ao chamado da Comissão Estadual da Verdade.
E
nunca, nunca será tarde demais para que através de ações afirmativas prestemos
o nosso tributo aos mártires da liberdade.
Obrigada,