2 de dezembro de 2010
Senadora apresenta projeto para ampliar descriminalização do aborto
A notícia está na Agência Brasil (01/12), assinada pelo jornalista Luiz Antônio Alves. A Câmara dos Deputados realizou terça-feira (30) uma audiência pública para discutir, pela primeira vez na história, a situação do aborto. Um deputado da oposição assumiu o compromisso de enviar para análise de várias comissões todos os projetos elaborados na Casa que tratam de legalizar ou descriminalizar o aborto. O Congresso deverá votar o assunto em março de 2011.
O Brasil enfim entrou para o primeiro mundo? O Brasil modernizou-se de repente? Enfim um estado laico livre dos fanáticos religiosos do Vaticano?
Que nada, desculpem, é uma pegadinha.
O fato auspicioso, civilizado, responsável, se deu no Congresso da Argentina. O assunto foi tratado na Comissão de Legislação Penal, o deputado da oposição é Juan Carlos Veja, da Coalização Cívica.
O deputado também lembrou que é necessário começar o debate sobre o tema porque, de acordo com estimativas oficiais, a cada ano 450.000 abortos clandestinos são praticados na Argentina. Atualmente, a legislação local descriminaliza o aborto em apenas duas situações: quando a gravidez coloca em risco a saúde ou a vida de uma mulher ou em casos de estupro envolvendo mulheres mentalmente incapacitadas.
No Senado argentino também existem projetos que tratam da liberação ou descriminalização do aborto. Um deles é o da senadora Elena Corregido, integrante do bloco oficialista Frente para a Vitória, que reúne pequenos partidos.
A senadora Elena conversou com a Agência Brasil sobre o seu projeto.
LEIA A ENTREVISTA:
ABr: A senhora pretende, com seu projeto, alterar o artigo 86 do Código Penal da Argentina, que trata do aborto. Por que a senhora pretende esta modificação?
Elena Corregido: Alguns dizem que o Artigo 86 do nosso Código Penal não precisa de retoques porque ele está claro, mas não está. Basicamente, ele diz que o aborto não é penalizado na Argentina quando a mulher corre risco de morte ou quando acontece a violação de mulheres mentalmente incapacitadas. Creio que a descriminalização deveria ser estendida a qualquer mulher que esteja grávida e não queira prosseguir com a gravidez.
ABr: Isso significa que a senhora pretende liberar o aborto no país?
EC: O meu projeto diz que o aborto não é punível quando a saúde da mulher corre perigo mas a saúde precisa ser entendida em três sentidos: no físico, no psíquico e no social. É o caso de uma mulher que já tenha muitos filhos e que não pode ou não quer mais um. Quero discutir o aborto porque, na verdade, este é um problema que afeta as mulheres pobres. As mulheres com posses podem recorrer aos abortos privados e não morrem por causa da cirurgia.
ABr: O seu projeto é um passo a mais para a liberação total do aborto na Argentina?
EC: Acho que devemos dar atenção a uma tripla injustiça – mulher, pobre e grávida sem querer. A verdade é que a violação das mulheres não ocorre somente quando elas são agredidas na rua. Muitas vezes, são relações não consentidas dentro do próprio casamento. É muito difícil para uma mulher denunciar uma violação quando o Estado não tem um sistema de apoio e de atenção a esta situação, ou seja, de violência contra a mulher. Acho que uma maneira de responder a esta questão é descriminalizar totalmente a prática do aborto. O Código Canônico [da Igreja Católica] prevê todos os casos em que a mulher pode praticar o aborto e não ser excomungada, é muito mais amplo do que o Código Penal da Argentina. Impedir o aborto é como se opor a um direito humano básico e central, o direito de qualquer mulher sobre o seu próprio corpo. Mas o meu projeto só muda o Artigo 86 do Código Penal, tornando-o mais claro e amplo nos casos em que o aborto não deve ser punido.
ABr: Na Câmara dos Deputados também existem projetos que tratam da descriminalização do aborto. Eles poderão ser unificados com os do Senado, já que é impossível promulgar todos eles?
EC: Na Câmara dos Deputados há um projeto de descriminalização absoluta do aborto, ou seja, qualquer mulher pode fazer um aborto gratuito e seguro no sistema de saúde – basta querer. Isso seria a total liberação do aborto na Argentina, como já acontece no México e na Espanha. Na Espanha, o aborto é permitido até a décima segunda semana de gestação e no México até a décima quarta semana. Precisamos saber até que ponto podemos obter consenso na Argentina sobre este assunto.
ABr: O assunto é bastante polêmico porque envolve questões de ética e de religião. Como ele está sendo tratado na América do Sul?
EC: O Uruguai e o Chile fizeram um trabalho muito interessante sobre saúde pública, chegando ao índice zero de mortes por aborto. O sistema de saúde pública é amigável, no qual se atende as mulheres, as acompanha e se faz o aborto seguro por meio de medicamentos. Quer dizer, acaba-se com o aborto como cirurgia. Cirurgia para a prática do aborto é um grande negócio que inclui clínicas privadas. Além disso, a cirurgia não é segura.
ABr: A senhora espera resistência politica ao seu projeto quando ele começar a ser debatido no Senado argentino?
EC: Este é um tema que passa por todos os partidos, quer dizer, em todos os partidos há pessoas a favor e contra. Então, é preciso encontrar os pontos em comum. Será difícil porque quando tratamos do casamento homossexual muitos se opuseram com a questão da adoção de filhos e trataram de mesclar os temas para impedir que a lei fosse aprovada. Mas como afeta a todos, homens e mulheres, o casamento homossexual não foi tão difícil como o do aborto, que é um direito só das mulheres. São poucos os legisladores que assumem o compromisso com esse tema. Na Frente para a Vitória há homens que também vão apoiar o projeto, mas será um trabalho de muito diálogo e paciência. Há muitas organizações civis que estão militando por meio de marchas, porque há muito tempo vêm lutando por esse direito. A lei do casamento homossexual (aprovada pelo Senado argentino no dia 15 de julho deste ano e promulgada pela presidenta Cristina Kirchner no dia 21 abriu a cabeça de muita gente que já pensa: “agora podemos falar sobre aborto”.
O Brasil enfim entrou para o primeiro mundo? O Brasil modernizou-se de repente? Enfim um estado laico livre dos fanáticos religiosos do Vaticano?
Que nada, desculpem, é uma pegadinha.
O fato auspicioso, civilizado, responsável, se deu no Congresso da Argentina. O assunto foi tratado na Comissão de Legislação Penal, o deputado da oposição é Juan Carlos Veja, da Coalização Cívica.
O deputado também lembrou que é necessário começar o debate sobre o tema porque, de acordo com estimativas oficiais, a cada ano 450.000 abortos clandestinos são praticados na Argentina. Atualmente, a legislação local descriminaliza o aborto em apenas duas situações: quando a gravidez coloca em risco a saúde ou a vida de uma mulher ou em casos de estupro envolvendo mulheres mentalmente incapacitadas.
No Senado argentino também existem projetos que tratam da liberação ou descriminalização do aborto. Um deles é o da senadora Elena Corregido, integrante do bloco oficialista Frente para a Vitória, que reúne pequenos partidos.
A senadora Elena conversou com a Agência Brasil sobre o seu projeto.
LEIA A ENTREVISTA:
ABr: A senhora pretende, com seu projeto, alterar o artigo 86 do Código Penal da Argentina, que trata do aborto. Por que a senhora pretende esta modificação?
Elena Corregido: Alguns dizem que o Artigo 86 do nosso Código Penal não precisa de retoques porque ele está claro, mas não está. Basicamente, ele diz que o aborto não é penalizado na Argentina quando a mulher corre risco de morte ou quando acontece a violação de mulheres mentalmente incapacitadas. Creio que a descriminalização deveria ser estendida a qualquer mulher que esteja grávida e não queira prosseguir com a gravidez.
ABr: Isso significa que a senhora pretende liberar o aborto no país?
EC: O meu projeto diz que o aborto não é punível quando a saúde da mulher corre perigo mas a saúde precisa ser entendida em três sentidos: no físico, no psíquico e no social. É o caso de uma mulher que já tenha muitos filhos e que não pode ou não quer mais um. Quero discutir o aborto porque, na verdade, este é um problema que afeta as mulheres pobres. As mulheres com posses podem recorrer aos abortos privados e não morrem por causa da cirurgia.
ABr: O seu projeto é um passo a mais para a liberação total do aborto na Argentina?
EC: Acho que devemos dar atenção a uma tripla injustiça – mulher, pobre e grávida sem querer. A verdade é que a violação das mulheres não ocorre somente quando elas são agredidas na rua. Muitas vezes, são relações não consentidas dentro do próprio casamento. É muito difícil para uma mulher denunciar uma violação quando o Estado não tem um sistema de apoio e de atenção a esta situação, ou seja, de violência contra a mulher. Acho que uma maneira de responder a esta questão é descriminalizar totalmente a prática do aborto. O Código Canônico [da Igreja Católica] prevê todos os casos em que a mulher pode praticar o aborto e não ser excomungada, é muito mais amplo do que o Código Penal da Argentina. Impedir o aborto é como se opor a um direito humano básico e central, o direito de qualquer mulher sobre o seu próprio corpo. Mas o meu projeto só muda o Artigo 86 do Código Penal, tornando-o mais claro e amplo nos casos em que o aborto não deve ser punido.
ABr: Na Câmara dos Deputados também existem projetos que tratam da descriminalização do aborto. Eles poderão ser unificados com os do Senado, já que é impossível promulgar todos eles?
EC: Na Câmara dos Deputados há um projeto de descriminalização absoluta do aborto, ou seja, qualquer mulher pode fazer um aborto gratuito e seguro no sistema de saúde – basta querer. Isso seria a total liberação do aborto na Argentina, como já acontece no México e na Espanha. Na Espanha, o aborto é permitido até a décima segunda semana de gestação e no México até a décima quarta semana. Precisamos saber até que ponto podemos obter consenso na Argentina sobre este assunto.
ABr: O assunto é bastante polêmico porque envolve questões de ética e de religião. Como ele está sendo tratado na América do Sul?
EC: O Uruguai e o Chile fizeram um trabalho muito interessante sobre saúde pública, chegando ao índice zero de mortes por aborto. O sistema de saúde pública é amigável, no qual se atende as mulheres, as acompanha e se faz o aborto seguro por meio de medicamentos. Quer dizer, acaba-se com o aborto como cirurgia. Cirurgia para a prática do aborto é um grande negócio que inclui clínicas privadas. Além disso, a cirurgia não é segura.
ABr: A senhora espera resistência politica ao seu projeto quando ele começar a ser debatido no Senado argentino?
EC: Este é um tema que passa por todos os partidos, quer dizer, em todos os partidos há pessoas a favor e contra. Então, é preciso encontrar os pontos em comum. Será difícil porque quando tratamos do casamento homossexual muitos se opuseram com a questão da adoção de filhos e trataram de mesclar os temas para impedir que a lei fosse aprovada. Mas como afeta a todos, homens e mulheres, o casamento homossexual não foi tão difícil como o do aborto, que é um direito só das mulheres. São poucos os legisladores que assumem o compromisso com esse tema. Na Frente para a Vitória há homens que também vão apoiar o projeto, mas será um trabalho de muito diálogo e paciência. Há muitas organizações civis que estão militando por meio de marchas, porque há muito tempo vêm lutando por esse direito. A lei do casamento homossexual (aprovada pelo Senado argentino no dia 15 de julho deste ano e promulgada pela presidenta Cristina Kirchner no dia 21 abriu a cabeça de muita gente que já pensa: “agora podemos falar sobre aborto”.