10 de março de 2008
A Mulher da Lei e a Mulher Bandida: que bela homenagem para o Dia da Mulher!
Causa assombro, indignidade e vergonha a manchete da Tribuna da Bahia, no dia oito de março, sob o título "Duas faces da mulher: Mulher da lei, mulher bandida". Além de preconceituosa, grosseira, estigmatizante e de induvidoso mau gosto, a manchete expressa, nitidamente, a afirmação do Estado classista e policial do Movimento de Lei e Ordem que comanda o pensamento das elites no país, dentre as quais se destaca a mídia.
"Bonita, charmosa, atraente e poderosa" é a qualificação da Delegada Patrícia Nuno. De acordo com a matéria, era desejo da homenageada ser modelo, profissão substituída com sucesso pela função que desempenha na segurança pública.
O perfil da mulher branca, de classe privilegiada e nível superior é estampado por quase toda a folha do periódico em tamanho proporcional à sua categoria de pessoa "do bem", de heroína, com possibilidade social e econômica de conciliar os diversos papéis que exerce na sociedade capitalista que ajuda a proteger como reconhecida Delegada de Polícia.
Outra, no entanto, é a identidade atribuída pela matéria a Priscila Alves, a "Mulher bandida". Pessoa "do mal", pobre, negra, sem charme e sem poder, a ante heroína é colocada exatamente do tamanho e no lugar que ocupa na sociedade excludente onde tenta sobreviver: no "patamar de baixo" da matéria, em dimensão menor, flagrantemente prostrada na sua condição de mulher e ferida na sua dignidade e condição de sujeito social com direitos, dentre os quais o de ser respeitada como pessoa. Priscila é o retrato de olhar tristonho por trás da valise e do saco plástico preto estrategicamente colocados para sugerir a traficância ilícita. Sua postura desajeitada parece negar o discurso da sorridente "top model do crime" alardeado pelo jornal.
A matéria, infeliz na manchete e execrável na abordagem, retrata fielmente a seletividade do sistema punitivo, que coloca, de um lado, os que têm saber e poder, os dominantes, e do outro lado, os dominados, que têm subtraídas todas as possibilidades de inclusão social e, mais grave, os que são destituídos até mesmo de seu direito à auto-estima. No caso de Priscila, merece repúdio a ausência absoluta de prurido ético na manchete e no violento contraste social das duas protagonistas que a matéria faz questão de exibir. Critique-se, ademais, a linguagem do texto nas referências a Priscila, traduzindo a etiqueta de mulher de conduta desviada, que viola dispositivos penais e merece, por isso, a resposta que o estado reserva para os que ousam afrontar seus comandos e romper com as regras que dita para o convívio social.
A Delegada Patrícia Nuno, exaltada por sua história de mulher vitoriosa e esteticamente perfeita, certamente está feliz e festeja com razão o reconhecimento público de sua trajetória pessoal e profissional.
E Priscila? Que bela homenagem a mídia lhe prestou no Dia da Mulher! Sua história pessoal foi esquartejada e distribuída em pedaços reconstituídos na pequena foto ao final da página que discorre sobre a Mulher da Lei e a Mulher bandida. O que nunca mais será devolvido a Priscila é o respeito com que deveria ser tratada no momento em que sua imagem e sua história foram confrontadas com a de outra mulher.
O que deve ser trazido à discussão e repudiado de forma veemente é o ato de violência que foi praticado contra Priscila não só pela forma como foi abordada a matéria como também pelo rótulo de mulher fora da lei com que foi apresentada à opinião pública.
A você, Priscila e a todas as mulheres que você representa nessa patética manchete, mulheres que fazem parte da clientela preferencial do sistema; a você que provavelmente foi expropriada de suas possibilidades de ser parte do mundo dos que se apropriam do saber para oprimir; que deve ser uma das herdeiras históricas do colonialismo perverso que expulsou o homem dos campos onde flertava cotidianamente com o sonho de ter seu pedaço de chão para viver feliz; você, que não deve ter tido as oportunidades que permitem escolhas diferentes do caminho que a truculência da matéria fez questão de escancarar; a você, no Dia da Mulher, tão reduzida, maculada e profundamente ferida na sua essência humana, as minhas desculpas, o meu constrangimento e a minha tristeza.
Que nunca mais você permita essa exposição midiática infame para satisfazer a concupiscência ideológica dos que se pensam donos dos corpos e da alma dos que não têm senão a si próprios para defender sua condição humana.
Marilia Lomanto Veloso
Doutora em Direito Penal pela PUC/SP
Professora da UEFS
Membro do Conselho Penitenciário do Estado da Bahia
Presidente do JusPopuli/Direitos Humanos
"Bonita, charmosa, atraente e poderosa" é a qualificação da Delegada Patrícia Nuno. De acordo com a matéria, era desejo da homenageada ser modelo, profissão substituída com sucesso pela função que desempenha na segurança pública.
O perfil da mulher branca, de classe privilegiada e nível superior é estampado por quase toda a folha do periódico em tamanho proporcional à sua categoria de pessoa "do bem", de heroína, com possibilidade social e econômica de conciliar os diversos papéis que exerce na sociedade capitalista que ajuda a proteger como reconhecida Delegada de Polícia.
Outra, no entanto, é a identidade atribuída pela matéria a Priscila Alves, a "Mulher bandida". Pessoa "do mal", pobre, negra, sem charme e sem poder, a ante heroína é colocada exatamente do tamanho e no lugar que ocupa na sociedade excludente onde tenta sobreviver: no "patamar de baixo" da matéria, em dimensão menor, flagrantemente prostrada na sua condição de mulher e ferida na sua dignidade e condição de sujeito social com direitos, dentre os quais o de ser respeitada como pessoa. Priscila é o retrato de olhar tristonho por trás da valise e do saco plástico preto estrategicamente colocados para sugerir a traficância ilícita. Sua postura desajeitada parece negar o discurso da sorridente "top model do crime" alardeado pelo jornal.
A matéria, infeliz na manchete e execrável na abordagem, retrata fielmente a seletividade do sistema punitivo, que coloca, de um lado, os que têm saber e poder, os dominantes, e do outro lado, os dominados, que têm subtraídas todas as possibilidades de inclusão social e, mais grave, os que são destituídos até mesmo de seu direito à auto-estima. No caso de Priscila, merece repúdio a ausência absoluta de prurido ético na manchete e no violento contraste social das duas protagonistas que a matéria faz questão de exibir. Critique-se, ademais, a linguagem do texto nas referências a Priscila, traduzindo a etiqueta de mulher de conduta desviada, que viola dispositivos penais e merece, por isso, a resposta que o estado reserva para os que ousam afrontar seus comandos e romper com as regras que dita para o convívio social.
A Delegada Patrícia Nuno, exaltada por sua história de mulher vitoriosa e esteticamente perfeita, certamente está feliz e festeja com razão o reconhecimento público de sua trajetória pessoal e profissional.
E Priscila? Que bela homenagem a mídia lhe prestou no Dia da Mulher! Sua história pessoal foi esquartejada e distribuída em pedaços reconstituídos na pequena foto ao final da página que discorre sobre a Mulher da Lei e a Mulher bandida. O que nunca mais será devolvido a Priscila é o respeito com que deveria ser tratada no momento em que sua imagem e sua história foram confrontadas com a de outra mulher.
O que deve ser trazido à discussão e repudiado de forma veemente é o ato de violência que foi praticado contra Priscila não só pela forma como foi abordada a matéria como também pelo rótulo de mulher fora da lei com que foi apresentada à opinião pública.
A você, Priscila e a todas as mulheres que você representa nessa patética manchete, mulheres que fazem parte da clientela preferencial do sistema; a você que provavelmente foi expropriada de suas possibilidades de ser parte do mundo dos que se apropriam do saber para oprimir; que deve ser uma das herdeiras históricas do colonialismo perverso que expulsou o homem dos campos onde flertava cotidianamente com o sonho de ter seu pedaço de chão para viver feliz; você, que não deve ter tido as oportunidades que permitem escolhas diferentes do caminho que a truculência da matéria fez questão de escancarar; a você, no Dia da Mulher, tão reduzida, maculada e profundamente ferida na sua essência humana, as minhas desculpas, o meu constrangimento e a minha tristeza.
Que nunca mais você permita essa exposição midiática infame para satisfazer a concupiscência ideológica dos que se pensam donos dos corpos e da alma dos que não têm senão a si próprios para defender sua condição humana.
Marilia Lomanto Veloso
Doutora em Direito Penal pela PUC/SP
Professora da UEFS
Membro do Conselho Penitenciário do Estado da Bahia
Presidente do JusPopuli/Direitos Humanos
Comments:
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a manchete saindo desse jornelo tribuna da bahia não me surprendeu pois esse jornaleco e vezeiro em manchetes ridiculas e preconceitosa vejam o que ele tem feito com o atual governo onde nada de bom aconteceu são as viuvas ddaquele coronel que se foi com certesa estão com saudade das benecias da propanga oficial.
atenciosamente
jose raimundo costa luz
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