17 de setembro de 2006

 

Lula: um mito verdadeiro

De Everaldo de Jesus (Blog Bahia de Fato)

Estive bem próximo do palanque onde se realizou o comício com Lula e Wagner, ontem à noite (16/09), no Farol da Barra, Salvador. Já passavam das nove horas quando o presidente chegou. Desde as sete, uma multidão de militantes agitava bandeiras, e eu observava do alto do setor da imprensa, cheio de jornalistas nacionais e estrangeiros. Quis chegar próximo das pessoas que aguardavam o início das falações. Um corredor apertado havia sido montado para controlar o acesso ao palanque. Ouvi um senhor reclamar: "pra que isso?" Respondi-lhe que iríamos receber não apenas um candidato, mas o presidente da República, por isso as medidas de segurança.

Alí, na primeira linha de gente espremida no gradil que separava o povo do palanque, assim que me aproximo, um senhor vê minha credencial de jornalista e me chama: tinha uma carta que pretendia entregar ao presidente. Abre e me mostra. Leio. Dirigia-se a Lula com respeito e admiração e pedia-lhe que fizesse uma lei que impedisse empresas de limitar a idade para ingresso no mercado de trabalho. Tinha mais de 45 anos e não conseguia mais emprego, dizia o Sr. Jocélio, idade que segundo ele as empresas consideram acima do aceitável para contratar. Olhei pra ele e disse que não acreditava ser possível a entrega, uma vez que Lula não passaria por alí, chegaria ao palco pelos fundos. Mas ele é firme: vou entregar ao presidente.

O tempo corria e um "animador" continuava a anunciar 10 minutos para Lula chegar, quase uma hora depois. Em tempo de comício sem shows, temos que aguardar o candidato por puro interesse político, por gostar dele, não da estrela musical bem remunerada. Uma senhora me chama: diz que veio de Carinhanha para ver Lula. "Viajei mais de 8 horas", me diz. Dona Antônia, rosto de mulher sofrida, mas sua face brilhava na expectativa de ver o presidente. Por um instante, achei aquilo um sacrifício exagerado. Chegar próximo não era o caso, pois o gradil mantinha um espaço muito grande do palanque, que além do mais é bem alto. Perguntei se ela estava só. Não. Cutuca um senhor mais à frente, pelo menos 60 anos de idade, seu marido, senhor Francisco. Viajaram oito horas, pensei, para ver Lula de perto. Nossa! Fico a imaginar u que provoca tanto as pessoas simples nesse desejo de ver um homem, um operário metalúrgico que virou presidente, mas ainda assim um homem, visto quase todo dia na televisão e em campanha pela reeleição, em uma época em que a política tem sido tão espezinhada pela imprensa, que a trata como a mais suja das atividades humanas...

Finalmente o animador informa da chegada de Lula, o povo vai ao delírio. Minutos após ele está no palco, de mãos dadas com Wagner, acompanhado do prefeito de Salvador, João Henrique, e do candidato ao senado, João Durval. Continuo próximo do casal que veio de Carinhanha e do senhor que quer entregar a carta ao presidente, Lula caminha pelo palanque, responde aos cumprimentos das pessoas, acena, simula um abraço em todos, manda beijos. O mais próximo que chegou do casal foi ali, no canto direito do palanque, lá do alto, um aceno. Penso: valeu a pena para eles, oito horas de viagem? Não ouso perguntar, continuo de olho nas reações de Lula diante do carinho demonstrado pela platéia.

Enquanto o prefeito fala, seguido por João Durval e logo depois por Wagner, o presidente observa a multidão. De repente, faz sinais para um membro da organização do comício, que está no corredor em frente ao palanque: quer que ele pegue algum papel que alguém quer lhe entregar. É o senhor Jocélio. O assessor pega a carta dele e entrega a Lula, que abre e lê. Depois, acena para o Sr. Jocélio e a coloca no bolso. Outras pessoas têm também papéis, cartas, folhas para pegar autógrafo. O presidente continua a pedir que os assesores recolham. Parece estar em sinergia absoluta com a multidão. Retribui aos gestos de carinho, agradece, devolve beijos, abraços. Wagner estar falando, diz que vai virar essa disputa contra Paulo Souto, fala da ação do PFL contra o uso de imagens do presidente em seu programa eleitoral. Diz que Paulo Souto tem vergonha de mostrar o candidato dele. "Eu tenho orgulho de mostrar que o meu candidato é o presidente Lula!" A multidão vai ao delírio. Wagner recebe um abraço do presidente, e continua seu discurso.

Lá de baixo, alguém acena desesperado para Lula. Ele percebe e faz gestos para a pessoa. Parece que ela não está feliz com a distância imposta pela segurança e pela estrutura do palanque. Quer vê-lo de perto, quer abraçá-lo. O presidente acena, pede calma. A pessoa insiste. Calma, diz o presidente. Em gestos, comunica que ao fim do comício irá lá embaixo para abraçá-la. "Eu vou até aí", diz claramente. Fala a mesma coisa mais de uma vez.

Wagner conclui sua fala, agora é Lula. Delírio total, o hino da campanha "é Lula de novo com a força do povo" ecoa das caixas de som ensurdecedoras, junto com o coro da platéia. Finalmente ele começa a falar. A voz está rouca. Mas ainda assim firme, forte, envolvente. O conteúdo de seu discurso está nos textos anteriores, muito bem escritos por Oldack. Continuo particularmente interessado nessa empatia com o público, nessa comunicação toda feita por gestos, respondidos pelo presidente, mesmo durante o seu discurso. Continua chegando papéis, camisas, bandeiras, para serem entregues ao presidente. Ele fala com entusiasmo do carinho que sempre recebe nos baianos quando vem ao estado. Diz que imagina que em outra encarnação deve ter sido baiano, tamanho é o entusiasmo que sente quando está aqui. Mais delírio da platéia. E mais acenos, mais cartas recebidas.

Não sei até que ponto as pessoas que se apinham contra o gradil estão ouvindo o que ele fala. Sei que quando ele começou a falar que sua mãe lhe ensinou que jamais deveria deixar de respeitar as pessoas, para que ele também fosse respeitado, nesse instante houve um silêncio para que ele fosse ouvido com mais atenção, pois iria manifestar por que aguenta calado a enxurrada de acusações e xingamentos que recebe desde maio de ano passado. "Todo tempo, ouvi tudo sem revidar", diz o presidente. E fala do senador Antônio Carlos Magalhães, que tem usado de linguagem chula para referir-se a ele. Diante da platéia, o presidente dirige-se ao senador baiano: "Repeite-me, para ser respeitado! O senhor não aprendeu nada com seu filho, Luis Eduardo, que era um homem civilizado! Falava comigo com respeito quando eu não era nada. Agora, o senhor, Antônio Carlos, não merece meu respeito. E não vou recebê-lo no meu gabinete. Acabou o tempo em que o senhor batia na mesa! O senhor foi chamado por Fernando Henrique de "Leão do Norte", mas para mim, o senhor não passa de um hamster!" O povo vai à loucura. Seu Francisco, vindo de Carinhanha, oito horas de viagem, olha para mim e comenta: ele falou forte, jogou duro! Parece que todo cansaço e desgaste da viagem valeu o sacrifício. Sua face me diz que está feliz por estar vivendo esse momento.

Lula está próximo de encerrar o seu discurso, passa a elogiar Wagner e a diz da importância de tê-lo como governador do estado que tanto demonstra amá-lo. E desafia os baianos a enterrar o último coronel do nordeste, a fazer mais uma libertação do Brasil, a exemplo do 2 de Julho. O diálogo paralelo com a multidão, porém, persiste. Até que ele interrompe a fala e se dirige a alguém da platéia: "Tenha calma, que eu vou até aí lhe dar um cheiro!". Foi a senha para pôr todos em clima de expectativa absoluta, o presidente iria para o corpo-a-corpo com sua multidão de fãs. Senti que os repórteres e fotógrafos também se encheram de entusiasmo. A passagem do presidente colado ao povo iria render boas imagens, para as televisões, para os jornais, para as revistas. Eu armei meu equipamento fotográfico, liguei flash e também me preparei para aquela quebra de protocolo, que deixou os seguranças do presidentes em polvorosa. Uma tropa deles vem reforçar as grades de isolamento, pelo menos dois a segurar cada grade, para impedir que o povo avançasse e provocasse uma tragédia. O comício termina, agora é Lula! Vem abraça o povo. O casal de carinhanha e o senhor que entregou a carta desaparecem no meio do povaréu que veio para cima do gradil logo depois de Lula anunciar que passaria por alí. Lá vem ele!

O percurso não era mais que vinte metros, mas foi feito em quase meia hora. Milhares de mãos estendidas queriam tocar o presidente, que não se avexa, não teme, permite o abraço, beija, deixa ser beijado. Seguranças tentam conter os mais exaltados. Lula sorri o tempo todo. Não se cansa. Uma senhora consegue subir no gradil e se inclina completamente e consegue chegar com um rosto até o outro lado. Dá um senhor beijo no presidente. É muito delírio!

Acompanhei o candidato Lula em 2002, quando veio lançar seu programa pela reparação racial, no Teatro Iemanjá, em Salvador. Vi de perto o entusiasmo com que as pessoas o abraçavam, o cumprimentavam. Quatro anos depois, o fascínio que ele provoca foi à estratosfera. Um jornalista olha tudo aquilo e comenta: "o homem é um popstar". É, compara-se. Vejo-o mais que isso. Um mito vivo, mas um homem. Real. O carinho e o amor que essas pessoas demonstram por ele não é o mesmo que as multidões demonstram pelas estrelas do show business. É um reconhecimento pela retribuição jamais demonstrada por um presidente à esperança que as pessoas simples de todo Brasil lhe confiaram. Se as pesquisas demonstram em números que quase 80% das classes baixas votam com ele, alí eu vi, toquei nas estatísticas. É Lula de novo, com a força do seu povo!

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