27 de maio de 2011

 

Ignorância e preconceito causaram polêmica sobre livro didático

Um capítulo, apenas um capítulo do livro didático “Por uma vida melhor”, da ONG Ação Educativa, adotado pelo MEC para 4.236 escolas do país provocou uma enorme polêmica, reacendendo o debate sobre as diferenças entre a língua falada e a norma padrão.

Ignorância e preconceito alimentaram a polêmica. E não faltou jornalista banalizando o episódio com textos “engraçadinhos” construídos com base na exacerbação dos “erros” de linguagem. Muitos deles sequer olham para seus próprios escritos.

Mesmo falantes cultos não seguem a norma padrão. Os técnicos do MEC sabem disso e tiveram a lucidez de rejeitar o sensacionalismo da mídia que passou a macaquear uma crítica feita pelo apresentador da Rede Globo. É o ônus de seguir o noticiário da Globo e acreditar.

O projeto NURC – Norma Linguística Culta Urbana – faz importantes estudos sobre o uso da língua no Brasil. Análise de mais de 1.500 horas de entrevistas gravadas desde 1970 em cinco capitais revelaram que os brasileiros, mesmo os de nível universitário, na fala, usam variedades lingüísticas em desacordo com a norma padrão.

A Folha de S. Paulo publicou outro dia (22/05) matéria sobre o assunto. Entre os brasileiros com nível superior, não passa de 5% a freqüência na fala com que o pronome é colocado em casos em que a norma padrão escrita determina. Entre os menos escolarizados, o percentual é de 1%. A diferença mais visível está na concordância em frases curtas, como no caso de “Os menino pega o peixe”, bastante comum entre os menos escolarizados. O jornal cita outro exemplo: “Os menino pega o peixe e colocam na mesa”. Na frase falta o pronome obliquo. Pela norma padrão ficaria assim: “Os meninos pegam o peixe e colocam-no na mesa”. Os menos exigentes diriam: “Os meninos pegam o peixe e o colocam na mesa”.

A língua se move. Apesar da norma padrão. Vejam o caso do uso dos pronomes pessoais das gramáticas escolares (eu, tu, ele, nós vós, eles). Desde a década de 1970, os estudos mostraram que na fala mesmo os mais escolarizados – incluindo os jornalistas dos jornalões e dos jornalinhos – trocaram o “tu” e o “vós” por “você” e “vocês”. Além de trocarem o “nós” por” a gente”. Se alguém for pesquisar, muitos dos jornalistas que se meteram a lingüistas avacalhando o livro “Por uma vida melhor”, escrevem, eu digo escrevem, “colocam ele” como é comum na fala e não “colocam-no”.

O livro do MEC alerta para os preconceitos. Aliás, baianos deveriam se envergonhar de alimentarem preconceitos contra regionalismos. No Sul Maravilha as pessoas até hoje gozam os baianos pelo ó aberto da fala. Essa história de norma padrão levada à irracionalidade praticamente extinguiu a maneira linda e peculiar do baiano recitar o abecedário.

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