10 de março de 2010

 

Parecer de Luis Felipe de Alencastro no STF sobre cotas é documento que políticos do DEM precisam ler

Luiz Felipe de Alencastro é cientista político e historiador, professor titular da cátedra de História do Brasil da Universidade de Paris IV Sorbonne.

Ele é autor do Parecer sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF/186, apresentada ao Supremo Tribunal Federal pelo DEM.

Ele faz um resumo histórico do escravismo para chegar à atualidade das cotas que permitem aos negros acesso às universidades. Ele defende o sistema de cotas raciais aplicado pela Universidade de Brasília.

É fundamental a leitura integral do Parecer de Alencastro para o entendimento da importância das cotas.

Destaco, entretanto, algumas afirmações:

“Os ensinamentos sobre nosso passado, referem-se à densa presença da população negra na formação do povo brasileiro. Todos nós sabemos que esta presença originou-se e desenvolveu-se na violência. Contudo, a extensão e o impacto do escravismo não tem sido suficientemente sublinhada. A petição inicial de ADPF apresentada pelo DEM a esta Corte fala genéricamente sobre “o racismo e a opção pela escravidão negra » (pp. 37-40), sem considerar a especificidade do escravismo em nosso país”.

(...) Resta que este crime coletivo guarda um significado dramático: ao arrepio da lei, a maioria dos africanos cativados no Brasil a partir de 1818 -, e todos os seus descendentes -, foram mantidos na escravidão até 1888. Ou seja, boa parte das duas últimas gerações de indivíduos escravizados no Brasil não era escrava. Moralmente ilegítima, a escravidão do Império era ainda -, primeiro e sobretudo -, ilegal. Como escreví, tenho para mim que este pacto dos sequestradores constitui o pecado original da sociedade e da ordem jurídica brasileira.

(...) Em conseqüência, os alegados proprietários desses indivíduos livres eram considerados sequestradores, incorrendo nas sanções do artigo 179 do «Código Criminal», de 1830, que punia o ato de “reduzir à escravidão a pessoa livre que se achar em posse de sua liberdade ».

(...) os ensinamentos do passado ajudam a situar o atual julgamento sobre cotas universitárias na perspectiva da construção da nação e do sistema político de nosso país. Nascidas no século XIX, a partir da impunidade garantida aos proprietários de indivíduos ilegalmente escravizados, da violência e das torturas infligidas aos escravos e da infracidadania reservada ao libertos, as arbitrariedades engendradas pelo escravismo submergiram o país inteiro.

Por isso, agindo em sentido inverso, a redução das discriminações que ainda pesam sobre os afrobrasileiros -, hoje majoritários no seio da população -, consolidará nossa democracia.

Atacando as cotas universitárias, a ADPF do DEM, traz no seu ponto 3 o seguinte título « o perigo da importação de modelos : os exemplos de Ruanda e dos Estados Estados Unidos da América » (pps. 41-43). Trata-se de uma comparação absurda no primeiro caso e inepta no segundo.

Qual o paralelo entre o Brasil e Ruanda, que alcançou a independência apenas em 1962 e viu-se envolvido, desde 1990, numa conflagração generalizada que os especialistas denominam a « primeira guerra mundial africana », implicando também o Burundi, Uganda, Angola, o Congo Kinsasha e o Zimbabuê, e que culminou, em 1994, com o genocídio de quase 1 milhão de tutsis e milhares de hutus ruandenses ?

Para além do caso da política de cotas da UNB, o que está em pauta neste julgamento são, a meu ver, duas questões essenciais.

A primeira é a seguinte : malgrado a inexistência de um quadro legal discriminatório a população afrobrasileira é discriminada nos dias de hoje?

A resposta está retratada nas creches, nas ruas, nas escolas, nas universidades, nas cadeias, nos laudos dos IML de todo o Brasil. Não me cabe aqui entrar na análise de estatísticas raciais, sociais e econômicas que serão abordadas por diversos especialistas no âmbito desta Audiência Pública.

Observo, entretanto, que a ADPF apresentada pelo DEM, na parte intitulada « A manipulação dos indicadores sociais envolvendo a raça » (pp. 54-59), alinha algumas cifras e cita como única fonte analítica, o livro do jornalista Ali Kamel, o qual, como é sabido, não é versado no estudo das estatísticas do IBGE, do IPEA, da ONU e das incontáveis pesquisas e teses brasileiras e estrangeiras que demonstram, maciçamente, a existência de discriminação racial no Brasil.

Dai decorre a segunda pergunta que pode ser formulada em dois tempos. O sistema de promoção social posto em prática desde o final da escravidão poderá eliminar as desigualdades que cercam os afrobrasileiros? A expansão do sistema de bolsas e de cotas pelo critério social provocará uma redução destas desigualdades ?

Penso que seria uma simplificação apresentar a discussão sobre as cotas raciais como um corte entre a esquerda e a direita, o governo e a oposição ou o PT e o PSDB. Como no caso do plebiscito de 1993, sobre o presidencialismo e o parlamentarismo, a clivagem atravessa as linhas partidárias e ideológicas.

LEIA NA ÍNTEGRA O PARECER DE LUIS FELIPE DE ALENCASTRO SOBRE AS COTAS

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