10 de fevereiro de 2010

 

Todos perguntam “Que partido é este?”. Nilmário Miranda responde.

O texto abaixo, da autoria do presidente da Fundação Perseu Abramo, Nimário Miranda, foi publicado na 86º edição da revista Teoria e Debate, que trata sobre a trajetória de 30 anos do PT.

QUE PARTIDO É ESTE?
O PT, desde seus primeiros passos, rejeitou os modelos clássicos de organização partidária da esquerda. Afastou-se do modelo dos partidos comunistas do “centralismo democrático”, que conferia ao Comitê Central poderes sem limites e, com o argumento de repelir as frações, dificultava a convivência com as divergências, resultando em dissidências e expurgos. Também não seguiu o modelo dos partidos socialdemocratas e trabalhistas europeus, organizados em torno dos chefes parlamentares e mandatários do Executivo.

Ao estabelecer o direito de tendência, o PT promoveu a convivência entre os sindicalistas combativos que o fundaram, os intelectuais socialistas, os militantes de organizações de esquerda remanescentes da resistência à ditadura e as comunidades cristãs de base da igreja popular.

Ao mesmo tempo foi rejeitada a proposta de constituir uma frente de partidos, em que cada agrupamento teria direção e disciplina próprias. O direito à constituição de tendências internas garantiu a pluralidade política e ideológica e a unidade de ação. Se o partido assume a democracia como valor universal e maior das conquistas dos movimentos socialistas dos trabalhadores, nada mais coerente do que praticá-la em seu interior.

Passados trinta anos, o PT conta poucas dissidências: o PSTU, oriundo da Convergência Socialista, que sempre manteve estrutura partidária no interior do partido, e mais recentemente o PSOL. Do mesmo modo, o PT desvinculou-se da tradição dos execráveis expurgos.

Nos primórdios, no final da década de 1970, enquanto trabalhadores ocupavam o cenário realizando greves de massa, o debate sobre a construção de um novo partido colocava a questão se este deveria ser um “partido popular” ou um partido dos trabalhadores.

“Queremos um partido dos trabalhadores organizado e dirigido pelos trabalhadores, e não um partido para os trabalhadores votarem”, foi o argumento que prevaleceu.

Na tradição anterior dos partidos comunistas, socialistas, de esquerda, um grupo de intelectuais redigia o sacrossanto programa, baseado numa “teoria revolucionária” em torno da qual os grupos se constituíam. O PT nasce invertendo essa lógica, se organizando a partir de seu Manifesto de Fundação. A teoria viria da reflexão sobre a própria experiência, sem desconsiderar o legado das esquerdas no Brasil e no mundo.

Para financiar o partido, optou-se pela forma mais simples: quem constrói sustenta.

Até a aprovação da Lei do Fundo Partidário, em 1995, o PT foi sustentado pela contribuição compulsória dos parlamentares e mandatários de cargos executivos, que assinavam compromisso prévio de destinar percentual de suas remunerações ao partido, e dos seus militantes. Também houve quem tenha deixado o PT para não cumprir o compromisso assumido antes da eleição.

Os mandatos são do partido. A partir desse princípio foi estabelecida a fidelidade partidária.

O PT sempre se antecipou ao que depois viraria lei. Cortamos em nossa carne, por exemplo, em 1985, ao desligarmos companheiros queridos e respeitados que insistiram em votar no Colégio Eleitoral que elegeria Tancredo Neves. Tínhamos oito deputados federais apenas e ficamos com cinco.

O saudoso sociólogo Eder Sader resumiu em uma frase a postura do PT para se constituir como partido radicalmente democrático dentro de um regime autoritário que pretendia controlar, inclusive, as regras da atividade política: o PT tem de caminhar nas fímbrias, no limiar da institucionalidade, tensionando-a.

Desse modo, para conciliar a democracia interna necessária com as leis vigentes, criamos os núcleos de base, precedendo as comissões oficiais que asseguravam o controle do partido pelos chefes políticos, criamos os encontros democráticos com delegados eleitos pela base.

As convenções oficiais eram realizadas apenas para cumprir a lei e homologavam as decisões democraticamente assumidas pelos encontros. Depois viriam os congressos. Enquanto os encontros decidem sobre questões conjunturais, aos congressos ficaram reservadas as decisões programáticas ou estratégicas. Congressos, encontros, diretórios com participação de todas as correntes garantida pela proporcionalidade, núcleos, setoriais, PED, prévias... Enfim, lançamos mão de todos esses instrumentos para a difícil construção da democracia interna.

O PT foi o primeiro partido a adotar uma cota de mulheres nas direções e nas chapas, depois transformada em lei, visando ampliar a participação feminina na política, represada há séculos por uma sociedade patriarcal.

Desde os primeiros passos acolheu homossexuais, desafiando o preconceito arraigado, e estimulou candidaturas em todos os níveis. Do mesmo modo, teve entre os núcleos fundadores o movimento pela igualdade racial e de combate ao racismo.

Outra opção fundamental que afastou o PT da tradição dos partidos de esquerda foi a defesa intransigente da autonomia do movimento sindical e popular em relação ao partido, de não usar os sindicatos como correia de transmissão do partido. A ponto de seu Estatuto prever que o militante priorize o sindicato em caso de conflito com a decisão partidária.

Ao recusar ligar-se a internacionais com caráter vinculante, o PT desenvolveu um “novo internacionalismo”. Isso permitiu se relacionar com partidos comunistas, da nova esquerda, socialistas, socialdemocratas e trabalhistas. Dessa visão nasceu o importante Foro de São Paulo, em 1990.

A relação entre o partido e seus governos municipais e estaduais foi construída de maneira interessante, a um só tempo o partido procurou definir “um modo petista de governar”, sem criar uma camisa de força. Também a relação com os parlamentares segue na mesma direção: não cair no que se denominava “cretinismo parlamentar” e desenvolver a cultura de decisões coletivas, com o partido só tomando decisões peremptórias em última instância.

O PT contribuiu para a democracia ao lutar pelo fundo partidário, montante destinado aos partidos proporcional a sua representação na Câmara dos Deputados. Desse valor, 20% é obrigatoriamente destinado a fundações ou institutos para o desenvolvimento da cultura política democrática e republicana.

Nosso partido instituiu a Fundação Perseu Abramo (FPA), sucessora da Fundação Wilson Pinheiro, que há treze anos guarda e organiza o uso de seus documentos, preservando a memória partidária essencial, constituiu uma importante editora e incorporou a revista Teoria e Debate; organiza debates teóricos, seminários, oficinas; colabora com o PT nas relações internacionais; faz pesquisas que subsidiam o partido, governos, universidades e movimentos sociais.

Por fim, o partido, mais recentemente, organizou a sua juventude e a Escola Nacional de Formação (coordenada por sua Secretaria Nacional de Formação e pela FPA), e foi o primeiro partido a instituir um código de ética. Nenhuma dessas conquistas democráticas foi adotada sem disputa, choros e ranger de dentes.

Nilmario Miranda,
Presidente da Fundação Perseu Abramo

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