28 de junho de 2009
Escritor resgata em livro a história de Soledad, torturada e morta no Recife em 1973
Urariano Mota é pernambucano, escritor e jornalista. Está presente em espaços importantes da Internet. Eu acompanho seus textos nos sites Direto da Redação, La Insígnia, Observatório da Imprensa e no Vi o Mundo. E também em seu próprio site. É autor do romance “Corações futuristas”, cujo cenário é a sanguinária ditadura Médici.
Em julho, pela Boitempo Editorial, ele lança seu novo livro intitulado “Soledad no Recife”. Soledad Barret Viedma foi entregue ao famigerado delegado Fleury pelo próprio marido, o cabo Anselmo, espião infiltrado nos grupos da esquerda armada no Brasil e na América Latina. A jovem paraguaia estava grávida de cinco meses, foi torturada e assassinada.
Numa entrevista ao site Vi o Mundo, Urariano Mota afirma que o crime contra Soledad é o caso mais eloqüente da guerra suja da ditadura no Brasil. “A traição que ela sofreu expressa, com vigor, a traição contra jovens do sentimento mais generoso, que é o sentimento de humanidade, do mundo”.
Urariano Mota nunca viu o cabo Anselmo. “Eu o conheço por seus cadáveres, que ele arrasta como uma cauda”. Soledad morreu jovem, linda, se viva, possivelmente estaria militando no movimento socialista, com apoio crítico ao Governo Lula, arrisca o escritor.
Sobre Soledad, Urariano escreveu assim:
“Soledad não é só a mulher bonita, de um ponto de vista físico, cuja fotografia revela apenas uma estação do seu ser. Uma estação imóvel do seu peito dinâmico, e de tal modo que dará ao fotógrafo o que se diz de um mau desenhista, “isto não se parece com ela, não saiu parecido”. E se pedirá então ao fotógrafo o absurdo, a saber, que a máquina, a mecânica, reproduza um ser, a textura, cor e delicadeza da orquídea, da pessoa mesma. Como se fosse possível da flor um close que a isolasse do ar que ela respira, do campo em torno, do cheiro que exala, em resumo, como se fosse possível reproduzir o complexo, a conspiração de sentidos que se dirigem para um único fim, a pessoa, o ser vivo, poderoso em nos despertar amor, afeição, paixão, tara e paz, que buscamos como a uma miragem. Ainda assim, se sabemos que na flor há um ser inalcançado na fotografia, se comparamos, se transpomos mal, imagine-se então Soledad no lugar dessa flor do campo. Imaginamos mal e mau, já vêem. Flor não se rebela nem canta. Flor nos desperta canção e rebeldia, quando machucada. Mas a pessoa de Soledad, ainda que lembre essa flor - e é irrecusável não lhe ver a pele como o tecido de uma pétala -, e assim a lembraremos pelo vento forte e traiçoeiro que se prepara para a muchucar e destruir, ainda assim, como a superar tal associação, ainda que nos persiga como só uma idéia é capaz de perseguir, hoje, neste dia do seu aniversário, ela está mais bela que antes. ¡ Arriba, Sol!
MUERTE DE SOLEDAD BARRET
Poema do escritor uruguaio Mário Benedetti, falecido recentemente, numa tradução livre de Urariano Mota.
Viveste aqui por meses ou por anos
traçaste aqui uma reta de melancolia
que atravessou as vidas e a cidade
Faz dez anos tua adolescência foi notícia
te marcaram as coxas porque não quiseste
gritar viva hitler nem abaixo fidel
eram outros tempos e outros esquadrões
porém aquelas tatuagens encheram de assombro
a certo uruguai que vivia na lua
e claro então não podias saber
que de algum modo eras
a pré-história do íbero
agora metralharam no recife
teus vinte e sete anos
de amor de têmpera e pena clandestina
talvez nunca se saiba como nem por quê
os telegramas dizem que resististe
e não haverá mais jeito que acreditar
porque o certo é que resistias
somente em te colocares à frente
só em mirá-los
só em sorrir
só em cantar cielitos com o rosto para o céu
com tua imagem segura
com teu ar de menina
podias ser modelo
atriz
miss paraguai
capa de revista
calendário
quem sabe quantas coisas
porém o avô rafael o velho anarco
te puxava fortemente o sangue
e tu sentias calada esses puxões
soledad solidão não viveste sozinha
por isso tua vida não se apaga
simplesmente se enche de sinais
soledad solidão não morreste sozinha
por isso tua morte não se chora
simplesmente a levantamos no ar
desde agora a nostalgia será
um vento fiel que flamejará tua morte
para que assim apareçam exemplares e nítido
as franjas de tua vida
ignoro se estarias
de minissaia ou talvez de jeans
quando a rajada de pernambuco
acabou completo os teus sonhos
pelo menos não terá sido fácil
cerrar teus grandes olhos claros
teus olhos onde a melhor violência
se permitia razoáveis tréguas
para tornar-se incrível bondade
e ainda que por fim os tenham encerrado
é provável que ainda sigas olhando
soledad compatriota de três ou quatro povos
o limpo futuro pelo qual vivias
e pelo qual nunca te negaste a morrer.
Em julho, pela Boitempo Editorial, ele lança seu novo livro intitulado “Soledad no Recife”. Soledad Barret Viedma foi entregue ao famigerado delegado Fleury pelo próprio marido, o cabo Anselmo, espião infiltrado nos grupos da esquerda armada no Brasil e na América Latina. A jovem paraguaia estava grávida de cinco meses, foi torturada e assassinada.
Numa entrevista ao site Vi o Mundo, Urariano Mota afirma que o crime contra Soledad é o caso mais eloqüente da guerra suja da ditadura no Brasil. “A traição que ela sofreu expressa, com vigor, a traição contra jovens do sentimento mais generoso, que é o sentimento de humanidade, do mundo”.
Urariano Mota nunca viu o cabo Anselmo. “Eu o conheço por seus cadáveres, que ele arrasta como uma cauda”. Soledad morreu jovem, linda, se viva, possivelmente estaria militando no movimento socialista, com apoio crítico ao Governo Lula, arrisca o escritor.
Sobre Soledad, Urariano escreveu assim:
“Soledad não é só a mulher bonita, de um ponto de vista físico, cuja fotografia revela apenas uma estação do seu ser. Uma estação imóvel do seu peito dinâmico, e de tal modo que dará ao fotógrafo o que se diz de um mau desenhista, “isto não se parece com ela, não saiu parecido”. E se pedirá então ao fotógrafo o absurdo, a saber, que a máquina, a mecânica, reproduza um ser, a textura, cor e delicadeza da orquídea, da pessoa mesma. Como se fosse possível da flor um close que a isolasse do ar que ela respira, do campo em torno, do cheiro que exala, em resumo, como se fosse possível reproduzir o complexo, a conspiração de sentidos que se dirigem para um único fim, a pessoa, o ser vivo, poderoso em nos despertar amor, afeição, paixão, tara e paz, que buscamos como a uma miragem. Ainda assim, se sabemos que na flor há um ser inalcançado na fotografia, se comparamos, se transpomos mal, imagine-se então Soledad no lugar dessa flor do campo. Imaginamos mal e mau, já vêem. Flor não se rebela nem canta. Flor nos desperta canção e rebeldia, quando machucada. Mas a pessoa de Soledad, ainda que lembre essa flor - e é irrecusável não lhe ver a pele como o tecido de uma pétala -, e assim a lembraremos pelo vento forte e traiçoeiro que se prepara para a muchucar e destruir, ainda assim, como a superar tal associação, ainda que nos persiga como só uma idéia é capaz de perseguir, hoje, neste dia do seu aniversário, ela está mais bela que antes. ¡ Arriba, Sol!
MUERTE DE SOLEDAD BARRET
Poema do escritor uruguaio Mário Benedetti, falecido recentemente, numa tradução livre de Urariano Mota.
Viveste aqui por meses ou por anos
traçaste aqui uma reta de melancolia
que atravessou as vidas e a cidade
Faz dez anos tua adolescência foi notícia
te marcaram as coxas porque não quiseste
gritar viva hitler nem abaixo fidel
eram outros tempos e outros esquadrões
porém aquelas tatuagens encheram de assombro
a certo uruguai que vivia na lua
e claro então não podias saber
que de algum modo eras
a pré-história do íbero
agora metralharam no recife
teus vinte e sete anos
de amor de têmpera e pena clandestina
talvez nunca se saiba como nem por quê
os telegramas dizem que resististe
e não haverá mais jeito que acreditar
porque o certo é que resistias
somente em te colocares à frente
só em mirá-los
só em sorrir
só em cantar cielitos com o rosto para o céu
com tua imagem segura
com teu ar de menina
podias ser modelo
atriz
miss paraguai
capa de revista
calendário
quem sabe quantas coisas
porém o avô rafael o velho anarco
te puxava fortemente o sangue
e tu sentias calada esses puxões
soledad solidão não viveste sozinha
por isso tua vida não se apaga
simplesmente se enche de sinais
soledad solidão não morreste sozinha
por isso tua morte não se chora
simplesmente a levantamos no ar
desde agora a nostalgia será
um vento fiel que flamejará tua morte
para que assim apareçam exemplares e nítido
as franjas de tua vida
ignoro se estarias
de minissaia ou talvez de jeans
quando a rajada de pernambuco
acabou completo os teus sonhos
pelo menos não terá sido fácil
cerrar teus grandes olhos claros
teus olhos onde a melhor violência
se permitia razoáveis tréguas
para tornar-se incrível bondade
e ainda que por fim os tenham encerrado
é provável que ainda sigas olhando
soledad compatriota de três ou quatro povos
o limpo futuro pelo qual vivias
e pelo qual nunca te negaste a morrer.