7 de março de 2009

 

Perly Cipriano e seu saboroso livro “Vai quem quer”

Eu esperava tudo de Perly Cipriano, atual Subsecretário da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, menos um saboroso livro de memória. Não as memórias dos tempos de chumbo da ditadura militar, mas um livro de memórias do menino, da infância vivida na pequena e rural “Vai quem Quer”, localidade da também pequena e rural Barra de São Francisco, na antiga região do Contestado, no Estado do Espírito Santo. Ao vasculhar o passado, ele encontra pegadas que nos ensinam a renascer e a compreender o presente, como ele diz, “sem o véu da esperança”. O retorno ao passado desmancha ilusões e traz tristezas, mas, também, surpresas agradáveis.

Digo que não esperava de Perly Cipriano um livro de memórias infantis porque – acho que é um preconceito meu - seria mais natural que ele escrevesse suas memórias políticas. Ex-militante do PCB, depois militante da luta armada pela ALN, em 1970 foi preso em Olinda, barbaramente torturado, acabou condenado a 94 anos de prisão.

Ficou dez anos preso e só foi libertado pela Anistia. Ainda preso, em 1979, participou dos debates para a criação do Partido dos Trabalhadores (PT). Fundador do PT, concorreu ao governo do Espírito Santo em 1982 e presidiu o partido naquele Estado por duas vezes. Foi deputado estadual, chefe de gabinete do prefeito de Vitória, Vitor Buaiz, vereador e Secretário Estadual de Justiça e Cidadania durante o Governo Vitor Buaiz.

Em 2003, a convite de Nilmário Miranda, assumiu a Subsecretaria de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos vinculada à Presidência da República. Em 2006, foi homenageado com o título de Cidadão Honorário de Brasília, em 2007 foi agraciado com a Comenda Domingos Martins, concedida pela Assembléia Legislativa do Espírito Santo. Nilmário Miranda deixou a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, voltou para Minas Gerais, e Perly Cipriano continuou Subsecretário na atual gestão de Paulo Vanucchi.

Companheiros no passado e no presente, coube a Nilmário Miranda assinar o Prefácio da obra “Vai quem quer”. Eles se conheceram no Presídio Frei Caneca, no Rio de Janeiro, em 1978. Tornaram-se amigos. Juntos, em 1995, foram a Roma para um congresso internacional contra a pena de morte. “Lá se vão três décadas de uma sólida amizade. Perly é um militante do bem. Solidário, inquieto, humanista, amante da vida, das coisas do mundo, da História. E é um bom contador de histórias (...) lendo “Vai quem quer” vê-se que Perly sessentão é o mesmo Perly da infância”.

Eu aprendi que Perly Cipriano é um revolucionário, sensível, capaz de desvelar as suas lembranças de até os nove anos de idade e também nos fazer viajar. Como escreve Nilmário, ele nos faz viajar ao falar de suas impressões de menino sobre “o quadro do céu e do inferno, o rádio, o picolé, a magia do cinema, o primeiro encontro com o mar, o bonde, a violência, a maldade da tortura, o suicídio, os nomes das ruas de sua aldeia e até a posse da primeira caneta BIC”. Aprendi que o “Vai quem quer” sempre existiu e sempre existirá para todas as pessoas. Um tesouro no fundo do tacho.

Nem sei se o livro de Perly Cipriano está à venda nas livrarias. Foi editado pela Gráfica Editora Palloti, de Porto Alegre. Eu o encontrei em Salvador, onde veio para proferir uma palestra sobre Direitos Humanos. Poucos dias depois chegou-me o livro pelo Correio. Perly Cipriano é autor de “Pequenas Histórias de Cadeia” e “Fome de Liberdade”, ambos escritos em parceria com o ex-deputado federal Gilney Amorim (PT), também um ex-preso político condenado pela ditadura militar a uma pena a perder de vista. Daí talvez meu preconceito, de esperar do militante apenas temas políticos.

Ainda assim, o militante do bem não se livra da Política com P maiúsculo, ao dedicar seu livro “às pessoas idosas que buscam no mundo da infância lições e recordações para confirmar que valeu a pena viver” e também “às crianças, que um dia envelhecerão levando consigo suas lembranças”.

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