12 de novembro de 2008
A boneca Raimunda e a tortura
No site da revista Carta Capital, o jornalista e escritor Emiliano José assina artigo intitulado “A boneca Raimunda e a tortura”. Ele ressalta que chega a ser um contra-senso o debate sobre a tortura e a anistia. Trata-se de um crime imprescritível e por isso deve ser apurado e punido. A AGU se equivoca ao defender os torturadores. Como beneficiar os que se deram ao direito de torturar? O terrorismo de Estado não pode ficar impune. Daí que ele aplaude o projeto Memórias Reveladas anunciado pela ministra Dilma Roussef, que prevê a abertura dos arquivos da repressão.
A verdade revelada sobre a tortura é terrível. Anita Fabbri e Márcia Basseto foram presas em 1977, no governo Geisel. Márcia Basseto guardou as lembranças. Foi presa com Celso Brambilla. Tinha acabado de completar 21 anos. Os dois faziam a luta política em São Bernardo (SP) e levavam no carro panfletos mimeografados contra a alta do custo de vida e a ditadura militar. Caíram no pau-de-arara, choque elétrico, roleta-russa, socos, pontapés, surras com pedaços de pau. Anita Fabbri era torturada porque encontraram um bilhete em que ela falava sobre Raimunda. Eles queriam Raimunda e a tortura aumentou.
Tiraram a roupa de Anita, apertaram seus mamilos, arrancaram-lhe os pelos da região pubiana, deixaram-na nua e aplicaram choques elétricos. Amarraram Anita na “cadeira-do-dragão”, um assento com encosto metálico eletrificado, e deram-lhe choques na região genital. Tudo porque ela mencionou, em delírio, o nome de Raimunda, uma boneca da infância.
LEIA NA ÍNTEGRA
A verdade revelada sobre a tortura é terrível. Anita Fabbri e Márcia Basseto foram presas em 1977, no governo Geisel. Márcia Basseto guardou as lembranças. Foi presa com Celso Brambilla. Tinha acabado de completar 21 anos. Os dois faziam a luta política em São Bernardo (SP) e levavam no carro panfletos mimeografados contra a alta do custo de vida e a ditadura militar. Caíram no pau-de-arara, choque elétrico, roleta-russa, socos, pontapés, surras com pedaços de pau. Anita Fabbri era torturada porque encontraram um bilhete em que ela falava sobre Raimunda. Eles queriam Raimunda e a tortura aumentou.
Tiraram a roupa de Anita, apertaram seus mamilos, arrancaram-lhe os pelos da região pubiana, deixaram-na nua e aplicaram choques elétricos. Amarraram Anita na “cadeira-do-dragão”, um assento com encosto metálico eletrificado, e deram-lhe choques na região genital. Tudo porque ela mencionou, em delírio, o nome de Raimunda, uma boneca da infância.
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Comments:
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Caro Emiliano José,
Há muito acompanho seu trabalho literário – um deles, inclusive, em homenagem e reconhecimento à magnífica atuação de padre Lorenzo Rossi –, e agora, mais assiduamente, sua coluna nos Diálogos da Carta Capital. Em uma delas você relembra a perseguição implacável à boneca Raimunda e cita também minha dificuldade nesses anos em abordar a experiência passada na prisão.
O problema é que quando se trata de abrir arquivos que estão no coração, no fígado, no estômago, enfim, na alma, fica muito complicado. No entanto, passados 31 anos, com um pouco de ajuda de terapia e muito impulsionada pelo inconformismo de ver o assunto tortura sendo discutido da forma como está, sinto que essa história precisa ser contada: a história da geração 77 que, impulsionada pelo pedido de libertação do grupo que foi preso em maio daquele ano, retomou as mobilizações que desembocaram na abertura. Se muito me engano eu, Anita Fabbri e Fortuna Dwek (presa porque acharam uma carta apaixonada assinada por ela a um militante da nossa organização), fomos as últimas mulheres a serem torturadas por motivos políticos nesse país.
É necessário fazer jus a esses jovens que, contra posições mais conservadoras da própria esquerda, sob um governo implacável (Geisel) com incursões freqüentes da ultra-direita militar (Silvio Frota), no anonimato, foram às ruas pedir a libertação de estudantes e operários, romperam os muros das universidades, arregimentaram artistas, comoveram até mesmo a classe média mais alienada.
Fui barbaramente torturada junto com Celso Brambilla. Para preservar nossos companheiros com aos quais vivíamos, mentimos pra polícia dizendo que éramos noivos. A partir daí você deve fazer idéia à que tipo de tratos fomos juntos, eu e Celso, submetidos. Aqui faço um parêntesis para dizer que, quando já estávamos nos presídios especiais (eu no Carandiru e Celso no Hipódromo) fomos novamente levados ao DOPS, pois nosso advogado – o grande Idibal Piveta – havia entrado com processo contra os torturadores e precisávamos fazer o reconhecimento. Eu e Celso, sem sabermos da presença um do outro no DOPS e sem saber do próprio processo, reconhecemos 6 policiais, dentre eles o delegado que comandava a equipe (subordinado de Sérgio Paranhos Fleury). Essa ação do Piveta fora inédita na época e está tudo documentado, com artigos nos principais jornais.
E onde estão estes homens? Estão aí, com salários ou aposentadorias sendo pagos pelos impostos dos cidadãos. E eu que levei 31 anos para achar a chave que abre esses meus arquivos?
Felizmente, graças às impressionantes mobilizações que ocorreram no Brasil inteiro, pela libertação do meu grupo, não fui morta. Por isso hoje tenho a convicção que eu, juntamente com a boneca Raimunda, devemos uma satisfação à todos que arriscaram suas vidas saindo às ruas, empunhando cartazes, enfrentando cachorros, cavalos, cassetetes, Erasmo Dias (então secretário da segurança de SP) e silvios frotas para que fossemos libertados e, principalmente, para que se desse a reconquista do Estado de Direito e das liberdades democráticas.
O que não é possível é continuar convivendo com a versão de que Geisel, por uma decisão iluminada, foi o responsável pelo processo de abertura.
Um grande abraço. Márcia Bassetto Paes.
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Há muito acompanho seu trabalho literário – um deles, inclusive, em homenagem e reconhecimento à magnífica atuação de padre Lorenzo Rossi –, e agora, mais assiduamente, sua coluna nos Diálogos da Carta Capital. Em uma delas você relembra a perseguição implacável à boneca Raimunda e cita também minha dificuldade nesses anos em abordar a experiência passada na prisão.
O problema é que quando se trata de abrir arquivos que estão no coração, no fígado, no estômago, enfim, na alma, fica muito complicado. No entanto, passados 31 anos, com um pouco de ajuda de terapia e muito impulsionada pelo inconformismo de ver o assunto tortura sendo discutido da forma como está, sinto que essa história precisa ser contada: a história da geração 77 que, impulsionada pelo pedido de libertação do grupo que foi preso em maio daquele ano, retomou as mobilizações que desembocaram na abertura. Se muito me engano eu, Anita Fabbri e Fortuna Dwek (presa porque acharam uma carta apaixonada assinada por ela a um militante da nossa organização), fomos as últimas mulheres a serem torturadas por motivos políticos nesse país.
É necessário fazer jus a esses jovens que, contra posições mais conservadoras da própria esquerda, sob um governo implacável (Geisel) com incursões freqüentes da ultra-direita militar (Silvio Frota), no anonimato, foram às ruas pedir a libertação de estudantes e operários, romperam os muros das universidades, arregimentaram artistas, comoveram até mesmo a classe média mais alienada.
Fui barbaramente torturada junto com Celso Brambilla. Para preservar nossos companheiros com aos quais vivíamos, mentimos pra polícia dizendo que éramos noivos. A partir daí você deve fazer idéia à que tipo de tratos fomos juntos, eu e Celso, submetidos. Aqui faço um parêntesis para dizer que, quando já estávamos nos presídios especiais (eu no Carandiru e Celso no Hipódromo) fomos novamente levados ao DOPS, pois nosso advogado – o grande Idibal Piveta – havia entrado com processo contra os torturadores e precisávamos fazer o reconhecimento. Eu e Celso, sem sabermos da presença um do outro no DOPS e sem saber do próprio processo, reconhecemos 6 policiais, dentre eles o delegado que comandava a equipe (subordinado de Sérgio Paranhos Fleury). Essa ação do Piveta fora inédita na época e está tudo documentado, com artigos nos principais jornais.
E onde estão estes homens? Estão aí, com salários ou aposentadorias sendo pagos pelos impostos dos cidadãos. E eu que levei 31 anos para achar a chave que abre esses meus arquivos?
Felizmente, graças às impressionantes mobilizações que ocorreram no Brasil inteiro, pela libertação do meu grupo, não fui morta. Por isso hoje tenho a convicção que eu, juntamente com a boneca Raimunda, devemos uma satisfação à todos que arriscaram suas vidas saindo às ruas, empunhando cartazes, enfrentando cachorros, cavalos, cassetetes, Erasmo Dias (então secretário da segurança de SP) e silvios frotas para que fossemos libertados e, principalmente, para que se desse a reconquista do Estado de Direito e das liberdades democráticas.
O que não é possível é continuar convivendo com a versão de que Geisel, por uma decisão iluminada, foi o responsável pelo processo de abertura.
Um grande abraço. Márcia Bassetto Paes.
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