13 de janeiro de 2008

 

Sobre a banalização do combate ao racismo institucional

O militante negro Sérgio São Bernardo, ex-superintendente do Procon da Bahia, órgão de defesa do consumidor, não conseguiu se entender com a secretária da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Marília Muricy. Foi exonerado. Em inacreditável reação, divulgou uma carta pela Internet e pela imprensa baiana acusando Marília Muricy de praticar um "tortuoso caminho de assédio, discriminação e preconceito" e se colocou como vítima de um "racismo institucional, perverso e trágico". O resto, quem acompanhou a espiral difamatória contra Marília Muricy sabe muito bem.

Independente dos fatos, o MNU apoiou São Bernardo, aliado político do deputado Luiz Alberto, secretário da Igualdade Racial do governo Wagner. Muitos setores do movimento social e grandes nomes referenciais da luta pela cidadania reagiram em defesa de Marília Muricy, considerada campeã dos direitos humanos desde os tempos da ditadura militar.

O pior dessa história toda é a banalização do conceito de "racismo institucional". Sérgio São Bernardo, para protestar por um emprego, um cargo público de confiança, não tinha esse direito. Nem mesmo o MNU tem esse direito. O conceito de racismo institucional, criado em 1967 por Carmichael e Hamilton, refere-se à forma de racismo que se estabelece nas estruturas de organização da sociedade, nas instituições, traduzindo os interesses e mecanismos de exclusão da parte dos grupos racialmente dominantes. O conceito desindividualiza o campo de ação do racismo e desloca a discussão dos preconceitos e discriminações interpessoais, alçando-o ao espectro da ideologia e da política. Assim, o conceito possibilita, como ferramenta de análise, a descontrução da ideologia racista impregnada no sistema de saúde, por exemplo, conduzindo a ação política para a elaboração de estratégias de mudança.

Desde o alvorecer do Governo Lula, os estudos sobre o racismo institucional tomaram força e fundamentaram a criação de estruturas e instituições governamentais. Desde o alvorecer do Governo Wagner, na Bahia, o mesmo ocorreu. Foram criadas instituições públicas em níveis federal e estadual para combater a desigualdade entre negros e brancos. Naturalmente, a polêmica instalou-se. Quem tem o queijo não quer entregar a faca. O racismo institucional é real. Quando deputado estadual na Bahia, em 2003, Emiliano José (PT) apresentou Projeto de Lei na Assembléia Legislativa para criação de um Programa Estadual de Combate às Doenças Falciformes. Visava ao tratamento da anemia falciforme que afeta basicamente a população negra, sendo endêmica na Bahia. Criminosamente, o PFL vetou, por orientação do governo Paulo Souto (PFL) e com apoio de parlamentares de pele negra.

Como se sabe, a anemia falciforme é uma doença hereditária, sem cura, que causa má formação das hemácias – as células do sangue que transportam oxigênio e gás carbônico aos tecidos. As hemoglobinas que compõem as hemácias são normalmente redondas e maleáveis, mas, nos portadores da doença, elas são rígidas e em forma de foice, o que dificulta a passagem das hemácias pelos vasos sanguíneos. Daí decorrem fadiga, respiração curta, crescimento lento, agravamento das infecções, complicações osteoarticulares, oculares e cardiovasculares, necrose de tecidos. Os impactos da anemia falciforme são especialmente significativos para a saúde da mulher negra. As mulheres em idade reprodutiva apresentam maiores riscos de abortamento e complicações de parto, em geral sua gravidez é de risco e com índice mais alto de natimortos.

Há mais de 20 anos a OMS vinha recomendando ao governo brasileiro a implementação de um programa para a anemia falciforme. Somente em 1996 foi instituído um grupo de trabalho pelo Ministério da Saúde para elaborar uma política nacional. Infelizmente, com FHC, a política pública de saúde não conseguiu sair do papel. Derrotado pelo PFL baiano, o deputado Emiliano José (PT), um ano depois, em 2004, comemorava em plenário a instalação pelo Governo Lula de um projeto piloto para atender os portadores da doença em Recife, Campo Grande, Belém, Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador. Em 2005, o Governo Lula avançou e criou o Programa Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Falciformes, na gestão do então Ministro da Saúde Humberto Costa (PT). De imediato, mais de 50 mil portadores de anemia falciforme passaram a ter atendimento especializado em todos os hemocentros do país.

Em 2005, o combate ao racismo institucional avançou na Bahia. Segundo o Programa de Combate ao Racismo Institucional, pesquisas mostram que mulheres negras têm menos chances de passar por consultas ginecológicas completas, ter acompanhamento pré-natal e pós-parto, obter informações adequadas sobre concepção e anticoncepção, e ter acesso aos métodos contraceptivos. No entanto, são maiores suas chances de estarem grávidas e terem o primeiro filho antes dos 16 anos. Com apoio do PNUD, pesquisas foram estimuladas. Estudar esse tipo de racismo é, por exemplo, procurar respostas para o fato de a mortalidade infantil entre crianças negras ser maior que a de crianças brancas, mesmo que elas provenham de famílias com o mesmo padrão de renda. Uma entidade que se destacou na pesquisa foi o NEIM (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Quais os OBJETIVOS do Programa de Combate ao Racismo Institucional no Brasil? 1) Contribuir para superar noções, ainda prevalentes, sobre a existência de uma democracia racial no Brasil, e sobre a pobreza como resultado apenas da desigualdade econômica; 2) Promover a equidade racial por meio do combate ao racismo institucional; 3) Apoiar a integração política de ações de combate ao racismo institucional em nível municipal, na Bahia e em Pernambuco. 4) Focalizar as ações em saúde e realizar um estudo de caso sobre como o racismo institucional pode ser abordado em um ministério setorial, de modo a permitir as necessárias ligações entre a política federal e sua execução nos planos estadual e municipal. QUAIS OS RESULTADOS esperados? 1) Teste e desenvolvimento de definições, normas e medidas de prevenção ao racismo institucional; 2)Fortalecimento da participação da sociedade civil no diálogo sobre políticas públicas; 3) Aprovação de políticas públicas racialmente eqüitativas; 4) Aprendizado de novas lições e disseminação de resultados.

Vale lembrar a importância da criação do Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra (27 de outubro), idealizado pelo movimento negro em parceria com o Governo Federal e com o PCRI - Programa de Combate ao Racismo Institucional, com apoio do PNUD. Também vale a recomendação de leitura da obra "Racismo no Brasil - Percepções da discriminação e do preconceito racial no século XXI" baseada na pesquisa nacional "Discriminação racial e preconceito de cor no Brasil" realizada pela Fundação Perseu Abramo, do Partido dos Trabalhadores. Em particular, o artigo de Gevanilda Gomes intitulado "A cultura política do racismo institucional".

Tudo isso tem a ver com o Governo Lula, com o Governo Wagner, com a Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos da Bahia. Tudo isso tem a ver com o combate ao racismo institucional. Não dá para aceitar a banalização do conceito nem por um militante negro, nem por 50 militantes negros organizados, por causa de espaços políticos pessoais, tendências ideológicas ou comitês eleitorais. A luta é maior.

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