3 de maio de 2007

 

A economia na intimidade e a intimidade na economia, segundo Abramovay

Ricardo Abramovay aceitou proferir conferência no III Encontro da Economia Baiana, a se realizar em setembro próximo, em Salvador. Abramovay é professor titular do Departamento de Economia da Faculdade de Economia e Administração (FEA) e do Programa de Pós-Graduação da USP. Seu programa de pesquisa organiza-se em torno da participação social nos processos localizados de desenvolvimento e apóia-se teoricamente nas principais correntes contemporâneas da sociologia econômica.

O Instituto Humanitas Unisinos (IHU) on-line entrevistou Ricardo Abramovay. Ele defende que a economia não é só a ciência da competição; ela é, também, a ciência da cooperação, e a dimensão subjetiva desta cooperação torna-se cada vez mais importante para os economistas.

Ricardo Abramovay publicou há algum tempo, no jornal O Valor, um artigo intitulado “A economia na intimidade e a intimidade na economia”. No texto, Abramovay utiliza-se do exemplo apresentado na novela Páginas da Vida, em que a avó tentava “vender” o neto ao próprio pai, para abordar a questão da economia dentro de nossas relações pessoais.

A ENTREVISTA CONTINUA ATUAL:

IHU On-Line - Como devemos agir num mundo onde o mercado está sendo considerado mais importante do que o ser humano?

Ricardo Abramovay - Há duas dimensões envolvidas na pergunta. Fazer com que os mercados sejam campos de realização de potenciais e aspirações humanas é um dos objetivos mais importantes dos processos de desenvolvimento.

O reconhecimento dos indivíduos no mercado, daquilo que fazem e sabem fazer é uma importante dimensão de sua existência na esfera pública. Não é a única: a política, a religião, os laços íntimos não passam necessariamente por mercados.

Mas mercados não são a anti-humanidade e esta idéia precisa ser um ponto de partida. Como devemos agir engloba a segunda dimensão da pergunta: para a luta contra a pobreza (para ir a um ponto essencial, sob o ângulo do desenvolvimento), a inclusão em mercados e a construção de melhores mercados, como bem o assinala o prêmio Nobel de Economia, Amartya Sen, é um objetivo muito importante.


IHU On-Line - A economia atual segue uma ideologia individualista, sendo apresentado assim inclusive no horário nobre da televisão? Quais são suas perspectivas para a economia moderna?

Ricardo Abramovay - É verdade que a economia é uma ciência cujos fundamentos são individualistas, pois ela se apóia na idéia de que existem unidades autônomas, independentes, soberanas e auto-determinadas (firmas ou indivíduos) que agem a partir das informações emitidas pelo funcionamento do sistema de preços.

Mas são cada vez mais importantes, na própria ciência econômica, as correntes que levam em conta e se apóiam nas formas sociais organizadas e conscientes de coordenação entre agentes econômicos. Isso se exprime, por exemplo, nos sistemas produtivos localizados. A economia não é só a ciência da competição; ela é, também, a ciência da cooperação social, e a dimensão subjetiva desta cooperação torna-se cada vez mais importante para os economistas.


IHU On-Line - Para o senhor, quais são as alternativas possíveis para que o mercado não domine o homem?

Ricardo Abramovay - O homem é dominado por todas as instituições que cria: pela família, pela religião, pela política, pelo Estado, pelas modalidades institucionalizadas de conhecimento e pelo mercado. Sob o ângulo prático, hoje existem mercados cada vez mais organizados e que respondem a preceitos de natureza ética ou ambiental.

É claro que muito do que se chama “responsabilidade social empresarial” pode ser visto como cortina de fumaça ou areia nos olhos. No entanto, a verdade é que as empresas praticam cada vez mais o que um autor francês, Thierry Hommel, chama de gestão antecipada da contestabilidade.

Da mesma forma, os bancos começam a exigir de seus clientes corporativos comportamentos ambientais que evitem problemas que possam comprometer não só o reembolso do empréstimo, mas a própria imagem do banco.


IHU On-Line - O seu título sugere uma análise da economia na nossa intimidade, por isso você relaciona o fato de a avó ter "vendido" o neto, como aconteceu na novela Páginas da Vida. A que ponto chegou a economia em nossa intimidade? Ainda é possível individualizá-las, ou seja, falar em vida pessoal sem relacioná-la com questões financeiras?

Ricardo Abramovay – Sim, existem inúmeras dimensões de nossas vidas que não são financeiras. O reconhecimento da presença tão marcante do dinheiro em nossas vidas pode conduzir a uma postura cínica, sob o ângulo ético. O livro que eu comento, no artigo a que você se refere, sustenta a tese de que o dinheiro não é o elemento que polui nossa existência, tirando-lhe o que tem de autêntica e verdadeira, fazendo dela uma sombra de interesses materiais que nos dominam e nos impõe sua própria lógica. Nós construímos permanentemente os significados que o dinheiro tem em nossa existência.

Ele pode ser um elemento decisivo de reciprocidade e de solidariedade, por exemplo, nas relações familiares. A verdade é que estamos pouco preparados para lidar com esta dimensão de nossas vidas, sobretudo na intimidade. Não que haja uma preparação que permita resolver os problemas das relações humanas mediadas por dinheiro (no casamento, na separação, no que os filhos e pais fazem uns pelos outros, nas partilhas de herança, nos namoros etc.). Mas ao diabolizar permanentemente o dinheiro nas nossas existências, nós nos afastamos das chances de ter com ele uma relação mais consciente.


IHU On-Line – O senhor cita André Gorz, que fala que as altas tecnologias poupam trabalho, gerando mais riqueza e desemprego. A sociedade do futuro pode ser rica, mas onde estarão esses desempregados?

Ricardo Abramovay - No artigo eu exponho a tese de André Gorz de que as sociedades modernas serão cada vez menos capazes de gerar trabalho produtivo para seus membros. Portanto, diz Gorz, precisaremos encontrar ocupações de proximidade, ligadas à reprodução da sociedade e não remuneradas, em que vamos realizar muitos de nossos projetos.

Na visão dele, só numa parte do tempo e numa parte da vida, nossa utilidade para os outros vai manifestar-se no mercado e exprimir-se no dinheiro que recebemos por nosso trabalho. Eu, francamente, tenho muita dúvida a respeito de isso ser verdade, numa sociedade em que o trabalho no mercado é cada vez menos importante. Tenho dúvida, sobretudo, se é desejável.


IHU On-Line - Como enfrentar esse desafio de desvencilhar a racionalidade econômica
da vida social?

Ricardo Abramovay - Este seria um desafio caso a racionalidade econômica fosse anti-social. Mas não é isso que ocorre. Um exemplo: quando organizações internacionais de desenvolvimento criaram fundos rotativos no meio rural do Sul do Brasil, a partir do início dos anos 1990, o resultado foi a inadimplência generalizada.

Em algumas localidades, os agricultores e suas lideranças perceberam este desastre e resolveram criar sistemas que compatibilizassem a solidariedade social com a racionalidade econômica. Foi assim, por exemplo, que nasceu o Sistema CRESOL de crédito solidário, que existe nos Estados do Sul do Brasil e hoje conta com 70 mil sócios. Há importantes dimensões da vida social em que a racionalidade econômica preenche uma função crucial de oferecer parâmetros de avaliação que melhorem os desempenhos e os comportamentos dos indivíduos.


IHU On-Line - Essa relação da economia e sociedade tem afetado nossas relações com os outros indivíduos? Já somos uma sociedade de interesses?

Ricardo Abramovay - Nunca deixamos de ser e nunca deixaremos de ser interessados. Somos apaixonados por nossas idéias, por outros seres humanos, temos ambições, objetivos. A idéia de um ser humano não interessado é assustadora.

O grande sociólogo Max Weber já mostrava que nossos interesses nem sempre são materiais. Os interesses religiosos, por exemplo, estão na raiz das condutas que permitiram a formação da própria ética protestante, na origem do capitalismo.

Da mesma forma, o interesse pela preservação ambiental é um dos fatores decisivos para que se fortaleça a luta contra o aquecimento global. O drama de nossa sociedade é que a pobreza limita os interesses dos indivíduos, reduz suas possibilidades de ampliação de seu leque de interesses à estrita sobrevivência. Quanto mais desenvolvida uma sociedade, mais diversificados e ricos passam a ser os interesses de seus componentes.

Comments:
“O jornalista Diogo Mainardi é mesmo um sujeito estranho. Vive reclamando dos processos que toma, inclusive de outros colegas, pelas barbarides que fala na televisão ou escreve na revista Veja.” Esse cara-de-pau Mainardi pensa que é dono do jornalismo no Brasil. Humildade e ética são ingredientes para um bom profissional. Já a “O Globo” reclama de CENSURA. Que moral tem O Globo para reclamar de uma suposta censura à mídia hoje se na época da Ditadura Militar de 64 que seqüestrou, torturou e assassinou milhares de brasileiros, o jornal foi conivente com a repressão? Segundo a jornalista Adriana Souza, “o Brasil tem a pior mídia do mundo”. Sobre a Folha de São Paulo, ela nunca foi censurada, gosta de posar de democrata e transparente, e tenta esconder esse período macabro (64) que revela todo o seu caráter de classe e a sua postura direitista. Protegida pela ditadura, a Folha cresceu, e durante os oito anos de FHC, ela nada falou contra as suspeitas privatizações e pregou a ortodoxia macroeconômica. Acesse o DESABAFO PAIS: http://desabafopais.blogspot.com
 
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