17 de outubro de 2006

 

Só a vitória de Alckmin salvaria o carlismo da extinção

A vitória de Alckmin é a tábua de salvação de ACM

Com a manchete acina, a revista Fórum está nas bancas, com o governador eleito da Bahia, Jaques Wagner, na capa, com foto de Manu Dias. Wagner conta a história da grande vitória sobre o carlismo, enumera como fatores: o cansaço dos eleitores com o PFL, os xingamentos do senador ACM contra o presidente Lula, o acerto da colagem de sua imagem à imagem de Lula, a união dos partidos de oposição e à independência do Poder Judiciário, que antes era atrelado aos políticos. Wagner faz campanha para Lula porque uma vitória de Alckmin representa a ressurreição de um modo de fazer política que o povo baiano acaba de rejeitar. Seria um retrocesso.

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A vitória de Alckmin é a tábua de salvação de ACM

Por Glauco Farias

Após protagonizar a vitória mais expressiva do PT nas eleições de 2006, o governador eleito da Bahia, Jaques Wagner, passou à coordenação da campanha de Lula no segundo turno e adquire ainda mais peso no cenário nacional. Também por conta disso, acha que o PT deve, passadas as eleições, se “federalizar” de fato. Isso não significa privilegiar uma ou outra região, o que seria “uma besteira, uma substituição de uma coisa por outra igualmente errada”, assegura. Wagner também atribui parte dos méritos de sua vitória à agressividade de ACM contra o presidente Lula e garante que o grupo carlista vê em uma eventual eleição de Alckmin para presidente sua “tábua de salvação”. “Vão pedir ministérios, o PFL vai querer direcionar as verbas federais da Bahia e farão isso não pra tentar ajudar a Bahia a crescer, mas para atrapalhar o governo do estado”.

Acompanhe abaixo entrevista exclusiva concedida à Fórum por telefone.

FÓRUM - A sua vitória na Bahia foi talvez a mais simbólica desse primeiro turno, mas até o último momento as pesquisas indicavam a vitória do candidato de ACM. Como o senhor viu todo esse processo de virada?

JAQUES WAGNER - Esse é um processo que começa em 2002, quando fui candidato pela primeira vez e as pessoas achavam que era uma loucura eu ser candidato. Disse que seria candidato independente da loucura porque acreditava que na Bahia existia uma vontade de mudança, de alternância de poder político. Saí com apenas quatro partidos coligados e dois minutos de televisão, e tivemos a primeira surpresa: as pesquisas me davam 18%, fiz 38,% e a soma das oposições deu 47%. Ou seja, já em 2002, a vitória do governador foi apertada. Quando saí daquela eleição, saí com uma convicção: o tamanho do PFL na Bahia corresponde a 30% do eleitorado. A gente perdia eleição porque não conseguia motivar 35% do eleitorado para votar na oposição, que era fragmentada.
Nas eleições de 2006, o cenário não era diferente de 2002, eu tinha 3%, 4% e todos diziam que era uma loucura sair do ministério para enfrentar uma montanha de problemas. Qual é a diferença de 2002 para 2006? Primeiro, conseguimos unir a oposição, a nossa coligação tinha nove partidos e mais de 70 prefeitos nos apoiando. Registro também a participação do PSDB, que na Bahia não lançou candidato e não apoiou o candidato do PFL. Tinha quase nove minutos de televisão enquanto o lado de lá tinha minguado e eram 16 anos de governo, o que traz um desgaste natural.

FÓRUM - A que fatores o senhor atribui sua vitória?

JAQUES WAGNER - Primeiro, o cansaço do PFL na Bahia; segundo, a aprovação do governo Lula, que teve 67% no primeiro turno e ficou claro que eu, por ter sido ministro dele, representava esse projeto na Bahia. Por fim, a agressividade exagerada do senador [ACM] contra o presidente Lula também gerou uma reação de gente que não concorda com essa falta de educação. Além disso, de 2002 pra cá o Judiciário baiano se afirmou como um poder independente politicamente. Antes se dizia que era controlado totalmente pelo grupo do PFL. Isso também causou um impacto muito grande no interior, porque as pessoas que temiam ficar contra porque teriam dificuldades no Judiciário se deram conta de que isso não acontecia mais. Na campanha das ruas, ficou claro pra mim que tínhamos conseguido falar com o coração e a mente dos baianos. As pessoas me abraçavam, as crianças falavam comigo, os idosos me diziam “nos liberte dessa gente” e pensei: o segundo turno está garantido. E nos últimos dez dias, quando chegávamos nas cidades, o movimento cresceu muito, o povo vinha pra rua sem banda nem nada, só pra nos ver, daí pensei que tínhamos chance de ganhar no primeiro turno. Só eu falava isso. Minha equipe ficava calada, mas ouvia. Nossas pesquisas também mostravam o mesmo número, por isso precisamos analisar qual o problema delas. Não tinha nenhuma pesquisa interna dizendo que eu iria ganhar, valeu o sentimento de rua nosso. Há um problema metodológico, pode haver um problema de manipulação, mas não vou acusar sem ter provas, a verdade é que em 2002 e em 2006 houve um erro grosseiro da ordem de 20%.Mas o resultado está aí e confirmou a minha tese. O julgamento não foi em relação propriamente ao Paulo Souto, que é um dos melhores quadros deles, mas ao PFL baiano. Ele teve dois milhões e seiscentos mil votos, ou seja, 29% do total do eleitorado de pouco mais de nove milhões. Nós tiramos muito pouco deles, o que nós fizemos foi despertar a Bahia insatisfeita com eles a aprovar nosso projeto. Desde 1990, a votação deles era cerca de 30% do colégio eleitoral, o que dava mais de 50% dos votos válidos. Eles não cresciam, mas nós também não. Agora, a diferença é que estava ao lado do presidente Lula, as acusações contra o PT não bateram em mim, a militância foi pegando gosto, fizemos uma coligação grande e está aí o resultado. Concordo com você que é a vitória mais inesperada e mais simbólica das eleições desse ano.

FORUM - Ainda mais considerando que Paulo Souto é uma tentativa de renovação dentro do carlismo...

JAQUES WAGNER - O erro dele foi esse. Ele é um quadro diferenciado, mas não tinha força para produzir essa renovação por conta do controle do “velho”. A visão de mundo e a postura dele é diferente, mas não conseguiu acumular força interna para alterar esse quadro.

FORUM - Em relação à sua saída do governo, foi um momento difícil já que o senhor foi uma peça fundamental na recuperação do governo após a crise política? Como o presidente encarou isso?

JAQUES WAGNER - Já tinha combinado com ele, até porque sou uma pessoa que respeita o projeto e a hierarquia. Quando falo de hierarquia, não é que me submeto, mas sei que existe uma escala de prioridades. Em março, a situação já estava bem melhor e falei com o presidente que na Bahia o PT não tinha preparado outro quadro e achava muito ruim isso acontecer justamente no território de Antonio Carlos, do PFL mais duro contra o presidente. No jogo eleitoral nacional isso também ia pesar. Se isso fosse fatura liquidada, não tivesse nenhuma candidatura para enfrentá-los, iam jogar soltos em nível nacional. Como no futebol, era preciso fazer uma marcação sob pressão aqui. Discuti com o presidente, em um primeiro momento também tinha dúvidas, mas decidimos ir embora.

FÓRUM - A sua vitória, assim como os triunfos petistas no Piauí, Acre e Sergipe, sinalizam que o PT deve ser menos paulista e se tornar, no comando, um partido mais nacional?

JAQUES WAGNER - Toda vez que você sai das urnas, tem-se uma nova radiografia de poder. Sempre defendi que o PT tem que ser mais federalizado possível e temos que pensar nisso na reestruturação do partido. Passado o segundo turno, é necessário uma reflexão, não para dizer “agora quem manda somos nós”, porque acho isso uma besteira, uma substituição de uma coisa por outra igualmente errada. Acho que a gente tem que oxigenar. Por exemplo, o Nordeste foi a última região a ter um deputado federal pelo PT, eu e Alcides Modesto fomos os dois primeiro eleitos em 1990. Depois o partido se espraiou mais e foi se consolidando. Lógico que isso é reflexo de uma política de desenvolvimento regional do governo Lula e o Nordeste faz parte dessa política não só em políticas sociais, mas em investimento em infra-estrutura, na captação de novos negócios, na geração de empregos. O Nordeste se deu conta de que este é um governo da federação, que não governa apenas para as regiões mais poderosas. Isso se reflete na urna e, repito, não é só programa social, é a postura de trazer refinarias, siderúrgicas, investimentos, potencializar a agricultura familiar. Os quadros do PT aqui na região, até pela dificuldade de o partido se afirmar no começo, foram treinados para superar problemas. Mas não quero dizer que agora o PT é nordestino, isso é uma bobagem. Por que o presidente ganha em uma região e perde em outra? Em Santa Catarina, por exemplo, onde éramos aliados do Luiz Henrique e rompemos, quanto isso contribuiu para o resultado ali? No Rio Grande do Sul, tem uma crise econômica no estado e estão responsabilizando o governo federal.

FÓRUM - O problema do dossiê pesou na já que o senhor foi uma peça fundamental na recuperação do governo após a crise política? Como o presidente encarou isso?

JAQUES WAGNER - Já tinha combinado com ele, até porque sou uma pessoa que respeita o projeto e a hierarquia. Quando falo de hierarquia, não é que me submeto, mas sei que existe uma escala de prioridades. Em março, a situação já estava bem melhor e falei com o presidente que na Bahia o PT não tinha preparado outro quadro e achava muito ruim isso acontecer justamente no território de Antonio Carlos, do PFL mais duro contra o presidente. No jogo eleitoral nacional isso também ia pesar. Se isso fosse fatura liquidada, não tivesse nenhuma candidatura para enfrentá-los, iam jogar soltos em nível nacional. Como no futebol, era preciso fazer uma marcação sob pressão aqui. Discuti com o presidente, em um primeiro momento também tinha dúvidas, mas decidimos ir embora.

FÓRUM - Hoje o senhor participa da coordenação da campanha de reeleição do presidente. Pelas reuniões que o senhor participou, existe um consenso em relação às razões que teriam levado a eleição presidencial para o segundo turno?

JAQUES WAGNER - Não participei de avaliação de diagnóstico e entrei na fase de implementação. Vou dar uma opinião pessoal. Ir para o segundo turno não é um defeito, faz parte da regra. Infelizmente o pessoal fica doutrinando com “vamos ganhar no primeiro turno”, daí vence, porque teve mais votos no primeiro turno, e fica com o gosto de que perdeu. Disse o tempo todo que a regra do jogo eram dois tempos, esse é o normal. Você ter 48,5% dos votos é espetacular.Óbvio que o dossiê influenciou, já que ele chega em um momento de reta final e é um momento de definição do voto. Isso teve impacto até na Bahia. Meu processo de crescimento, logo que saiu o dossiê, continuou, mas diminuiu em um primeiro momento a velocidade porque as pessoas ficaram com dúvida. Soube que houve comemoração no comitê de Paulo Souto, que comemorava essa redução de velocidade de crescimento. Quero dizer até que a eleição ter ido para o segundo turno produzirá uma tranqüilidade maior para o presidente Lula em um segundo mandato, porque fica líquida e certa a vontade da nação. E aí acho que a raiva que alguns segmentos destilavam ocorreu do primeiro para o segundo turno e acho que podemos ter um governo com uma relação mais madura democraticamente. O Serra, o Aécio, eu, os governadores eleitos, vão querer governar e os trabalhadores e empresários não querem que a relação entre o governo e oposição vire uma guerra de escaramuças. Oposição e governo são duas faces de uma mesma moeda, imprescindíveis, desde que racionais. Não acho que o PSDB e o PMDB vão querer fazer o jogo da rasteira. Tentaram fazer isso para o presidente perder a reeleição e não deu certo. Agora as pessoas vão olhar pra frente, governar pensando em 2010. Creio que teremos um momento de maior maturidade política, uma relação que pode ser dura, mas em outro padrão.

FÓRUM - Em relação ao debate, pelo que se via nas análises da grande imprensa, dava impressão que Geraldo Alckmin tinha vencido por larga margem o debate, mas as pesquisas que se seguiram mostraram que o presidente Lula ampliou sua vantagem. Como o senhor vê essa discrepância entre o que falou a mídia e os dados das pesquisas?

JAQUES WAGNER - Acho normal que o olho da mídia analise o desempenho pontual, enquanto o olho da população mire o futuro. Diria que, teatralmente, performaticamente, ele teve um desempenho avaliado como bom, mas digo que saí do debate empolgado, porque pra mim ficou clara a inconsistência e a falta de profundidade dele.

Pra mim, a questão do avião ia tirar voto dele, não dar, porque é um populismo de quinta categoria. As pessoas falam do avião como se fosse um brinquedo do presidente, mas as Forças Armadas não eram reequipadas há muito tempo. Pergunta pro pessoal da Aeronáutica se eles querem vender o avião. Aquela agressividade exagerada era tanto encomendada quanto artificial. Ele vendeu uma outra imagem e quer na reta final mostrar que mudou da água pro vinho? Ouvi muita gente dizer que ele foi mal educado, grosseiro, por isso saí do debate empolgado. Óbvio que o presidente pode render mais do que rendeu, mas creio que o que está dando nas pesquisas é a leitura da população.

Agora, no segundo turno, são dois caminhos que a pessoa tem que escolher. Na hora da urna, ela olha para o que o Brasil tem e para o que o Brasil tinha. Quando pergunto a alguém em quem vai votar, questiono se a pessoa quer o caminho que o Brasil vem trilhando nos últimos três anos e dez meses ou quer o modelo FHC de governar, porque é isso que o Alckmin representa. Por isso ele tem que ficar no monotema da ética. Não pode discutir projeto político de país porque vai ter que falar do que ele participou. Ele animou a torcida organizada dele, mas não ganhou voto.

FÓRUM - O carlismo sofreu uma derrota dupla na Bahia, perdendo a disputa pelo governo e pelo senado. O senhor acha que esse grupo vê como tábua de salvação a eleição de Alckmin para presidente?

JAQUES WAGNER - Sem dúvida. E isso quero dizer com todas as letras, não só para os baianos, como para os paulistas, cariocas, gaúchos... Sei que minha vitória foi comemorada nos quatro cantos como uma derrota de um estilo de fazer política que fraudou o painel do senado, grampeou telefones e representa um modo dos mais arcaicos. Uma vitória do Alckmin para eles é a tábua de salvação, porque vão pedir ministérios, o PFL vai querer direcionar as verbas federais da Bahia e farão isso não pra tentar ajudar a Bahia a crescer, mas para atrapalhar o governo do estado. A eleição do Alckmin representa ressuscitar essa coisa que a gente conseguiu derrotar com a vontade dos baianos.

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