25 de setembro de 2012
Uma homenagem a Orlando Miranda
O deputado federal, escritor e jornalista Emiliano José (PT) publicou no jornal A Tarde (segunda, 24) um artigo sobre Orlando Miranda. Segue o texto:
Orlando Miranda
Viajou. Tornou-se um ser encantado. Na terra deixou um oceano de saudades. Marcas profundas nas estradas que percorreu. O Jardim da Saudade estava cheio na partida. Lutava há um bom tempo contra um câncer. Com tranqüilidade. Sem lamentações. Tânia ao lado, 40 anos de uma relação de amor profundo. Sei da dor de Tânia, que ninguém disfarça uma perda. Um pedaço de si mesma perdeu-se no infinito, foi embora junto com ele, e ela está se recompondo. Junto com os filhos, Adriana e Rafael. Nós, os amigos, os companheiros, sentimos demais a partida dele.
Nasceu em Jequié, 1941. Chega a Salvador, alvorada dos anos 60. Para dar continuidade aos estudos. Ingressa no primeiro ano do Científico, no Central – histórico Colégio Estadual da Bahia. Naquele território febril, é tomado por sonhos novos, pela militância política. Disputa as eleições do Grêmio, experimenta a primeira derrota. A chapa vitoriosa é encabeçada por Jaime Vieira Lima. A luta estudantil o apresenta ao mundo intelectual e político. Chega à esquerda. Nessa chegada, o que mais o entusiasma é a defesa da Petrobras, um de seus primeiros rituais de iniciação. O imperialismo americano desnudava-se aos seus olhos.
A têmpera do militante vai se firmando. Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar, eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão, e posso não lhe agradar. A Escola Politécnica da UFBA, a mesma de Carlos Marighella, foi seu segundo teste. Podia se aburguesar ou continuar. Continuou. Corria o ano de 1963. Cenário de pré-golpe, coisa que quase ninguém se apercebia e muito menos acreditava, quanto mais ele em sua juventude corajosa e voluntariosa. A UNE era uma entidade sólida, respeitada, de massas. Orlando descobre o marxismo, a cultura e as artes. Os sonhos se tornaram grandiosos. E nos sonhos que fui sonhando as visões se clareando, as visões se clareando... Entrou para Política Operária (Polop). A literatura da Polop o envolveu: crítica ao reformismo do PCB, combate à dominação ministerial nos sindicatos, defesa da organização independente da classe operária e da revolução socialista, sem etapas intermediárias. A Polop nasce em 1961, em Jundiaí, São Paulo.
O golpe de 1964 cai sobre ele como uma ducha de água fria. Nada, no entanto, abalava seus sonhos, a esperança no socialismo. Em fevereiro de 1965, participa da reorganização da UNE e logo depois da União dos Estudantes da Bahia (UEB). Compreende que a história das sociedades é a dura história da luta de classes. Aprendi a dizer não, ver a morte sem chorar, e a morte, o destino, tudo, a morte e o destino, tudo, estava fora do lugar, eu vivo pra consertar. Em março de 1967 desembarca em Natal, primeiro emprego como engenheiro. Decepciona-se com a cidade, de vida cultural inexpressiva, e pouca possibilidade de atuação política. No fim de 1967, volta à Bahia para reforçar a Polop, já dirigente. A vida como ele quer. A Polop tinha inserção, sobretudo, no movimento estudantil, apesar de suas posições teóricas em favor do proletariado.
Orlando sente as divisões da Polop, vê surgir várias outras organizações, mas não vacila em ficar ao lado, sempre, da Polop original. Chega à direção do Partido Operário Comunista (POC), novo nome dado à Polop numa tentativa de criar impacto diante de tantas divisões. Os diversos rachas levarão ainda a outro nome para a Polop, em abril de 1970: Organização de Combate Marxista-Leninista Política Operária (OCML-PO). Desta, Orlando torna-se um de seus principais formuladores.
O cerco da repressão aperta. Em 1972, são presos vários militantes da OCML-PO na Bahia, dos quais fui contemporâneo na Penitenciária Lemos Brito. Orlando escapa, e segue para o Rio de Janeiro. Em São Paulo, torna-se membro da Executiva Nacional da PO. Os anos de chumbo seriam vividos lá. Depois, PT. E é no PT que atua, disciplinadamente, sem nunca pretender as luzes da ribalta, durante muitos anos, antes do término da ditadura e depois, sob a democracia, até partir. O mundo foi rodando nas patas do meu cavalo e já que um dia montei agora sou cavaleiro laço firme e braço forte num reino que não tem rei...
Orlando Miranda
Viajou. Tornou-se um ser encantado. Na terra deixou um oceano de saudades. Marcas profundas nas estradas que percorreu. O Jardim da Saudade estava cheio na partida. Lutava há um bom tempo contra um câncer. Com tranqüilidade. Sem lamentações. Tânia ao lado, 40 anos de uma relação de amor profundo. Sei da dor de Tânia, que ninguém disfarça uma perda. Um pedaço de si mesma perdeu-se no infinito, foi embora junto com ele, e ela está se recompondo. Junto com os filhos, Adriana e Rafael. Nós, os amigos, os companheiros, sentimos demais a partida dele.
Nasceu em Jequié, 1941. Chega a Salvador, alvorada dos anos 60. Para dar continuidade aos estudos. Ingressa no primeiro ano do Científico, no Central – histórico Colégio Estadual da Bahia. Naquele território febril, é tomado por sonhos novos, pela militância política. Disputa as eleições do Grêmio, experimenta a primeira derrota. A chapa vitoriosa é encabeçada por Jaime Vieira Lima. A luta estudantil o apresenta ao mundo intelectual e político. Chega à esquerda. Nessa chegada, o que mais o entusiasma é a defesa da Petrobras, um de seus primeiros rituais de iniciação. O imperialismo americano desnudava-se aos seus olhos.
A têmpera do militante vai se firmando. Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar, eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão, e posso não lhe agradar. A Escola Politécnica da UFBA, a mesma de Carlos Marighella, foi seu segundo teste. Podia se aburguesar ou continuar. Continuou. Corria o ano de 1963. Cenário de pré-golpe, coisa que quase ninguém se apercebia e muito menos acreditava, quanto mais ele em sua juventude corajosa e voluntariosa. A UNE era uma entidade sólida, respeitada, de massas. Orlando descobre o marxismo, a cultura e as artes. Os sonhos se tornaram grandiosos. E nos sonhos que fui sonhando as visões se clareando, as visões se clareando... Entrou para Política Operária (Polop). A literatura da Polop o envolveu: crítica ao reformismo do PCB, combate à dominação ministerial nos sindicatos, defesa da organização independente da classe operária e da revolução socialista, sem etapas intermediárias. A Polop nasce em 1961, em Jundiaí, São Paulo.
O golpe de 1964 cai sobre ele como uma ducha de água fria. Nada, no entanto, abalava seus sonhos, a esperança no socialismo. Em fevereiro de 1965, participa da reorganização da UNE e logo depois da União dos Estudantes da Bahia (UEB). Compreende que a história das sociedades é a dura história da luta de classes. Aprendi a dizer não, ver a morte sem chorar, e a morte, o destino, tudo, a morte e o destino, tudo, estava fora do lugar, eu vivo pra consertar. Em março de 1967 desembarca em Natal, primeiro emprego como engenheiro. Decepciona-se com a cidade, de vida cultural inexpressiva, e pouca possibilidade de atuação política. No fim de 1967, volta à Bahia para reforçar a Polop, já dirigente. A vida como ele quer. A Polop tinha inserção, sobretudo, no movimento estudantil, apesar de suas posições teóricas em favor do proletariado.
Orlando sente as divisões da Polop, vê surgir várias outras organizações, mas não vacila em ficar ao lado, sempre, da Polop original. Chega à direção do Partido Operário Comunista (POC), novo nome dado à Polop numa tentativa de criar impacto diante de tantas divisões. Os diversos rachas levarão ainda a outro nome para a Polop, em abril de 1970: Organização de Combate Marxista-Leninista Política Operária (OCML-PO). Desta, Orlando torna-se um de seus principais formuladores.
O cerco da repressão aperta. Em 1972, são presos vários militantes da OCML-PO na Bahia, dos quais fui contemporâneo na Penitenciária Lemos Brito. Orlando escapa, e segue para o Rio de Janeiro. Em São Paulo, torna-se membro da Executiva Nacional da PO. Os anos de chumbo seriam vividos lá. Depois, PT. E é no PT que atua, disciplinadamente, sem nunca pretender as luzes da ribalta, durante muitos anos, antes do término da ditadura e depois, sob a democracia, até partir. O mundo foi rodando nas patas do meu cavalo e já que um dia montei agora sou cavaleiro laço firme e braço forte num reino que não tem rei...