12 de setembro de 2007

 

SOLIDARIEDADE NA ECONOMIA: UMA ALTERNATIVA À COMPETIÇÃO CAPITALISTA PROPOSTA POR PAUL SINGER

O Secretario Nacional do Ministério do Trabalho, professor Paul Singer é um dos principais propositores da economia solidária como um outro modo de produzir, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual.

Em seu entender, a aplicação desses princípios une todos os que produzem numa única classe de trabalhadores na qual todos igualitariamente são possuidores do capital através do trabalho cooperativo, associativo ou sociedade econômica. Visando ampliar o debate relativo ao implemento desta concepção de trabalho no Brasil, sobretudo no Nordeste

Segue entrevista concedida à Série Estudos e Pesquisas –SEP.

SEP – Hoje, no Brasil, o trabalho associativo é a base para a construção de uma
economia solidária. Entretanto, no Nordeste, este tipo de iniciativa ainda é incipiente. De que forma o Secretário acredita que a experiência associativa vá contribuir para superar as atuais fragilidades destes empreendimentos?

Paul Singer – A grande arma para a superação das fragilidades é a ajuda mútua entre associações, cooperativas e agências de fomento, que hoje estão unidas no Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Há um visível fortalecimento da economia solidária no país e a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), do Ministério do Trabalho e Emprego, cuja missão é formular e implementar políticas públicas para difusão e fortalecimento da economia solidária, foi mais um passo nesta caminhada. Quanto às fragilidades, acredito que estão sendo gradativamente superadas, tanto pelos esforços dos próprios cooperadores como pelo apoio que recebem do que chamamos Agências de Fomento da Economia Solidária – entidades criadas pela Igreja, como a Cáritas, pelos sindicatos, como a Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS), ou ainda, pela Associação Nacional de Trabalhadores em Empresas Autogestionárias (ANTEAG), ou pelas universidades, como as Incubadoras de Cooperativas Populares,
além de diversas outras.

SEP – Segundo o resultado da pesquisa SEI-UCSAL para a RMS e Litoral Norte da Bahia, as duas principais razões que motivaram a formação de empreendimentos associativos foram uma alternativa ao desemprego e ter uma atividade em que todos são donos. Vale também considerar que na RMS, segundo dados da PED-RMS, os trabalhadores autônomos são 23,1% dos ocupados, o emprego doméstico é de 10,1% e a taxa de desemprego é de aproximadamente 27%. Nessas condições, como as políticas públicas podem incentivar a formação de uma economia com base na solidariedade?

PS – Segundo a pesquisa SEI-UCSAL, a metade das cooperativas entrevistadas surgiu por iniciativa dos próprios associados e 36,6% por incentivo de outra instituição (ver tabela 8). As políticas públicas necessárias são as que difundem a cultura cooperativa entre as populações carentes e permitem ampliar as atividades que dão incentivo e apoio aos empreendimentos solidários. Mais concretamente, aproveitar programas sociais, como o Primeiro Emprego do Ministério do Trabalho para incentivar os jovens a se organizarem em associações ou cooperativas; ou ainda, utilizar os recursos do Plano Nacional de Qualificação para capacitar cooperativados melhorando seu desempenho econômico à base da autogestão, além do desenvolvimento de outras políticas.

SEP – A pesquisa também aponta que o trabalho associativo tem sido decorrente do esforço exclusivo dos próprios trabalhadores: a maior parte dos empreendimentos foi organizada por iniciativa dos próprios associados; o conhecimento técnico é limitado e menos da metade dos empreendimentos obtêm sobras em seu negócio. Portanto, pelo menos dois desafios estão postos: ampliar o conhecimento técnico e buscar a viabilidade econômica através de processos democráticos. Incentivar a preparação de instituições públicas e de ensino apropriada aos empreendimentos associativos pode ser um
caminho? A SENAES pretende atuar neste sentido?

PS – Hoje já existe uma profusão de instituições que se dedicam a esta tarefa. Introduzir a economia solidária no currículo das escolas profissionalizantes e de ensino fundamental e médio deve ser um objetivo de longo prazo, pois antes precisamos preparar os professores para cumprir esta tarefa. As universidades, sobretudo as que possuem incubadoras de cooperativas populares, já se dedicam a isso, inclusive com a criação de programas de pós-graduação em economia solidária. Penso que vai levar alguns anos, ainda, antes que possamos iniciar “a preparação de instituições públicas e de ensino” para tais funções.

SEP – Ainda segundo a pesquisa, mais da metade dos grupos usaram recursos próprios para iniciar a atividade, alguns receberam doações e nenhum teve acesso ou recorreu ao crédito. Ou seja, embora recentemente venha se expandindo o microcrédito, tudo indica que este se destina ao trabalhador por conta própria e não aos empreendimentos associativos. Se isto é verdade, como SENAES pretende estimular uma política de crédito que seja apropriada aos empreendimentos associativos?

PS – O microcrédito, como o nome diz, destina-se a oferecer pequenos empréstimos a pessoas pobres que já têm ou pretendem abrir um negócio próprio. Ele não se destina a cooperativas ou associações produtivas, cujas necessidades produtivas são maiores. A SENAES está propondo que recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do Ministério do Trabalho, sejam utilizados numa linha de financiamento para cooperativas e produtores associados. Sugerimos o mesmo a bancos federais, que também estão propensos a aceitar a idéia.

SEP – Conforme os resultados da pesquisa, os principais setores que têm trabalho associativo são: artesanato, agropecuária, pesca, coleta e processamento de material reciclável, que não se organizam entre si. Como essas associações poderão se integrar a um mercado mais amplo e como as políticas públicas poderão contribuir para esse fim?

PS – Artesanato, agropecuária, pesca e reciclagem de resíduos são atividades que se organizam em cadeias produtivas. Artesãos utilizam madeira, osso, couro, palha, pedra, papel e outros materiais que são produzidos a montante; os produtos artesanais, por sua vez, são vendidos a jusante, alimentando um importante comércio especializado. O mesmo se aplica à agropecuária, pesca e reciclagem. Os materiais reciclados, como papel, alumínio, plásticos etc. abastecem ampla cadeia de processadores, cujos produtos finais são também comercializados. Isso abre amplas oportunidades para a economia solidária, pois tanto fornecedores como revendedores das cooperativas podem decidir se organizar de forma autogestionária. A Secretaria Nacional de Economia Solidária está apoiando agências de fomento, como a ADS, que se dedicam à construção de complexos de cooperativas, formados (tal como ocorre em Mondragón, na Espanha) por cooperativas que transacionam grande parte de sua produção entre si.

*Paul Singer é economista, foi professor titular da Universidade de São Paulo (USP), onde exerceu a coordenação acadêmica da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares. Atualmente é Secretário Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Algumas obras publicadas: Introdução à economia solidária(2002); Uma utopia militante: repensando o socialismo (1998);Para entender o mundo financeiro (2000);Globalização e desemprego: diagnóstico e alternativas (1998).

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